quarta-feira, 30 de julho de 2014

Pantaleão e as Visitadoras

Ao tomar este romance de Mario Vargas Llosa, prepare-se para deliciosos momentos de diversão. O Peruano vencedor do Nobel de Literatura nos presenteia com seu “Pantaleon Pantoja”, oficial do exército de formação rígida e comedida, a quem é dada a ingrata tarefa de reduzir os casos de assédio sexual promovidos pelos combatentes em postos distantes na Floresta Amazônica. A solução implantada com urgência: criar uma divisão oculta, formada por prostitutas dedicadas a visitar os soldados periodicamente e atender-lhes às necessidades animais.

“ – Já aconteceram casos de pederastia e até de bestialidade – explica o Coronel Lopez Lopez, - Imagine que um cabo de Horcones foi surpreendido fazendo vida de casado com uma macaca.
 - A macaca atende ao absurdo apelido de Mamadeira da Quinta Quadra – contém o riso o Alferes Santana. – Ou antes, atendia, porque a matei com uma bala. O degenerado está na prisão, meu coronel.”

O livro se desenvolve num interessante artifício do autor. Não toma para si a voz de um observador externo, ou os pensamentos de um dos personagens para contar sua história. Ao contrário, lança mão de uma sequência de cartas e relatórios com linguagem objetiva/militar sobre as conclusões e decisões do Capitão Pantoja acerca de sua missão.

“Que entre a matizada gama de prestações proporcionadas figuram a simples masturbação efetuada pela meretriz (manual: 50 soles; bucal ou “corneta”: 200); até o ato sodomita (em termos vulgares ´polvo estreito´ ou ´com cocozinho´: 250), o 69 (200 soles), espetáculo sáfico ou ´tortillas´ (200 soles c/u), ou casos menos frequentes que exigem dar ou receber açoites, vestir ou ver disfarces e ser adorados, humilhados e até defecados, extravagancias cujas tarifas oscilam entre 300 e 600 soles.”

O autor faz uso inteligente de várias tensões, e as explora com senso de humor. Os militares se debatem entre as aparências de uma organização séria de defesa, e o serviço que colocaram em funcionamento. Há a clandestinidade, mas também a necessidade de controle e prestação de contas. Llosa faz piada da hipocrisia da fidelidade conjugal e da moral das beatas. O povo luta entre o exercício da religião oficial e a vivência visceral de uma seita com sacrifícios de animais. A imprensa local se divide entre a compaixão pelo sofrimento das prostitutas, e a condenação dos atos “imorais”. Enquanto as diferentes interpretações desfilam no livro de Llosa, há o pragmatismo do general em Lima:

“Tigre Collazos ri a gargalhadas: ´é preciso encarar as realidades e chamar ao pão pão vinho vinho: os soldados precisam foder e você lhes consegue com quem ou o fuzilaremos a canhonaços de sêmen”

Llosa me causou a mesma impressão que Gabriel Garcia Marquez, de que há uma irmandade ainda a ser explorada entre nossos hábitos e o de nossos vizinhos de língua hispânica. Faz também lembrar Jorge Amado quando este descrevia uma Bahia de instintos aflorados, de temperos e sabores, de calores e suores, de natureza indomada e de excessos de toda ordem – mas sem as chatices de seus trechos panfletários.


Sob a influência do clima quente e úmido, e uma inocência paradisíaca expõe nossos instintos mais belos e os mais cruéis. Ao fundo de páginas jocosas, um estudo de antropologia:  vivemos como nas primeiras civilizações humanas, fazendo lutar nossos instintos com nossas regras. Aos de cabeça aberta, dispostos à linguagem despudorada, um ótimo livro.

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