sábado, 21 de fevereiro de 2015

De Mosaicos a Caleidoscopios

Somos todos diferentes. Diferentes traços genéticos nos definem feições, pesos e alturas diversos – um mosaico humano. Nossos talentos são diversos: uns são sensíveis às artes, outros hábeis com as mãos – ou raciocinam de maneira abstrata, desafiando os limites do universo. Somos gregários ou reservados, espirituais ou pragmáticos, ou qualquer posição nesses espectros entre o claro e o escuro.
Atirados no nascimento a um mundo que gira a 1660km/h – numa cultura que começou muito antes de chegarmos, somos esponjas a tentar entender nosso entorno. Desenvolvemos linguagem, habilidades motoras, preferências – e vamos assim plantando os alicerces para nos sentirmos seguros para nossas decisões e ações – um mosaico ideológico.

É desses alicerces que derivamos nossa visão de mundo, que construímos nossas certezas. Não há interpretação que façamos sem o filtro de nossas internalizadas ideologias. Essas certezas construídas são tão diversas quanto nossos modos de ser, mas nos aglutinamos em torno daqueles que se parecem conosco, e passamos a nos sentir parte de um todo.

Os coletivos pensam pelos indivíduos – o que também parece ser típico de nossa espécie – e formam-se estruturas de poder. Capazes de proteger seus “iguais”, essas estruturas se impõe a outras, arrebanham fiéis, elegem adversários. Surgem as agremiações, as religiões, os partidos políticos. Haverá nas ideologias vários alertas sobre as tentativas dos outros grupos em abalar “a única Verdade”.A esta altura, o indivíduo diluído que ousar questionar seu coletivo sofrerá sanções.

A luta de uma sociedade por suas verdades leva a extremos, como nos mostra a jornalista Barbara Demick, no livro “NADA A INVEJAR, Vidas Comuns na Coreia do Norte”, que coletou relatos chocantes de pessoas que fugiram daquele país. As ideias socialistas se associaram ao confucionismo e a outros elementos culturais da península, resultando num regime político socialista e hereditário. O Partido dos Trabalhadores coreano representa os organizadores do regime, que coordena todos os meios de produção, estabelece leis e escolhe como fazê-las cumprir.

Entre a china e a Coreia do Sul, a noite sem eletricidade da Coreia do norte

Com a abertura das economias chinesa e soviética a práticas capitalistas, a Coreia do Norte perde apoios. Sua dedicação a um programa nuclear complementam as justificativas para um embargo, relegando à miséria seus mais de 23 milhões de habitantes. Ajuda humanitária tenta prover comida, mas pessoas com mais influência utilizam seu poder para disputar os escassos recursos. E há sempre gente disposta a defender regimes totalitários dos quais seus habitantes arriscam a vida para fugir.

O exemplo extremo deste país e os trechos de fome e violência do livro mostraram para mim os riscos dessa rigidez, também presente em nossas vidas. Nossos mosaicos limitam nossa visão da realidade.  Somos cheios de certezas, quando deveríamos “ser” mais dúvidas. Nossa recente passado político exemplifica nossa capacidade limitada de questionar tais mosaicos. Todos representamos coletivos que até hoje se enraivecem com os argumentos das outras partes a questionar nossas certezas.


Se pudéssemos alternar diferentes ângulos de visão ou sacudir esses mosaicos ideológicos às exigências da realidade, passaríamos de estruturas fixas a caleidoscópios, com maior diversidade. Nas múltiplas possibilidades, poderíamos buscar as alternativas mais ajustáveis a cada momento, livres de certezas construídas no passado de ideologias extremadas. Para isto, é preciso a coragem de deixar certezas para trás, expor-se a novos grupos e novos arranjos de ideias, enriquecendo nosso senso crítico. Estaríamos assim mais aptos a vencer a fome de alimento, cultura, planejamento e respeito mútuo em que nos colocamos.



sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Comentando a Obra de Alguém que Conhecemos

Comentar o livro de um escritor que conhecemos é muito difícil.

Adorei seu Livro!
O que pensará o autor, quando aquele aspecto da obra que ele tanto se esforçou para produzir não for bem recebido? Terá ele vontade de desqualificar o crítico com um sonoro: “BAH! Você não entendeu nada!”? O que sentirá aquele parceiro do blog, que nos presenteou com seu livro para vê-lo divulgado, e agora vê que desestimulamos seus potenciais leitores?

Quando comecei a escrever as resenhas no Dose Literária, sempre soube que as pessoas não querem um resumo da obra – algo que só serviria como “spoiler”. A expectativa do leitor, penso, é por uma opinião! O que tem de legal neste livro? O que poderia ser melhor? Vale a pena tentar obtê-lo e dedicar tempo a ele? É importante falar do polêmico – daquilo que agradou ou desagradou de maneira mais marcante. São esses detalhes que criam interesse, que atraem o leitor. São esses aspectos que estimulam a leitura, que acho que é no fundo o nosso papel mais nobre aqui.

Escrever expõe o autor. Para fazer algo realmente original, é importante ir fundo na alma, e com isso colocar para fora várias de nossas conclusões e ideias de mundo. A essas ideias originais, soma-se a técnica, e o trabalho de revisão. Como dar fluência às ideias, como prender o suspense, como desenhar cenários e personagens e direcionar o olhar da mente do leitor – são todas coisas difíceis de fazer, que fazem o ato de escrever tão instigante.

"Eu quero qualquer coisa que ele ousar me servir!"
Se são nossas ideias, podemos nos levantar por elas, acreditar em seu valor e lutar para defende-las, mas é sempre doloroso vê-las pisoteadas por críticas. É duro quando alguém mostra um furo em nossas roupas. Expostas nas páginas, nossas particulares opiniões sobre o mundo ficam ali, nuas, apresentadas para que as pessoas gostem ou não. E como toda a leitura, haverá aqueles que se identificarão de pronto com o conteúdo, e outros cuja estrutura mental se distanciará de nossas ideias, como polos magnéticos iguais.

Num certo sentido, é muito mais fácil falar de um autor que já morreu, ou que é tão famoso que não vai aparecer por aqui e nos confrontar. Desses seres de mármore nós podemos falar despudoradamente do que gostamos ou não, ou sobre modismos que despontam em tons de cinza ou em séries intermináveis que vendem um monte de exemplares. Nossa opinião não precisa ser unanime. Ela interessa aos leitores, e cabe a eles ressoar em favor ou contra a maneira como essas obras nos tocaram.

No caso de autores mais “mortais”, no entanto, desperta aquele cuidado. Temos, claro, o compromisso com nossos leitores, mas também o de não sermos desestimulantes com os novos talentos. O feedback não representa a verdade, mas apenas como aquela determinada obra nos impactou. Está sujeito a toda sorte de percalços nesta interpretação, como nosso apreço ou rejeição ao estilo, nosso grau de conhecimento sobre o tema abordado, nosso histórico de vida e leituras. O fato de não termos gostado de um livro quer dizer apenas isso – que não gostamos dele – e não que ele seja ruim e não mereça apreciação por outros.

Talvez seja um pudor excessivo, mas o sinto por me colocar nos sapatos de escritor. Também eu tenho minhas crias ao sol, tentando seu espaço. As companheiras do blog, felizmente têm me poupado de uma análise esmiuçada de meu romance “Aprendi a me Amar”, não sei por quanto tempo. Pessoalmente, acho-o leve e singelo – com trechos bonitos, com mensagens válidas. Também enxergo nele minha inexperiência, desde alguns trechos muito simples, até todo o processo para sua publicação. Enfim, é preciso começar de algum lugar, mas se recebermos uma paulada logo ao tirar a cabeça da toca, pode faltar coragem para uma nova tentativa.

Podemos aqui destacar pontos fortes e fracos, mas isto nunca deveria ser visto como um desestimulo aos autores. É certo que escrever é um ato de coragem.  Atos de coragem têm sempre valor.



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A Volta ao Mundo em 80 Dias - Julio Verne

Provavelmente a obra mais conhecida do autor, e sucesso ao redor do mundo, foi meu primeiro livro lido no Kindle. Um belo contraste, ler uma obra de 1873 numa mídia eletrônica.

E esse contraste é o mais saboroso da leitura deste livro. Com a evolução tecnológica dos meios de transportes, pela primeira vez na história da humanidade se tornava possível a um indivíduo provido de recursos dar a volta ao mundo, alternando-se entre navios e trens.

É claro, o mundo daquela época não era tão rico em intercomunicações. O tempo antes da internet e das viagens de avião permitia que cada cultura permanecesse intocada. Viajar era, então, a chance de contato com quase alienígenas. Embora fossem civilizações humanas, as roupas, hábitos e religiões eram profundamente diferentes, e não se conheciam.

O Itinerário
Os protagonistas do livro - o nobre Mr. Phileas Fogg e seu criado Passepartout – numa brincadeira com sua origem francesa, indicando ser capaz de passar por tudo – conseguem superar dificuldades com o idioma, diferenças na gastronomia, passagem por fronteiras, vistos, etc – em sua luta por vencer uma aposta – a volta ao mundo em 80 dias, retornando a Londres.

“Já sei o que é, respondeu Fix. Você olhou a hora de Londres, que está quase duas horas atrasada em relação à de Suez. Tem de acertar seu relógio pela hora local de cada país.
 - Eu! Tocar no meu relógio! Exclamou Passepartout, jamais!
 - Então ele não estará mais de acordo com o sol.
 - Tanto pior para o sol, senhor! Ele é que estará errado!”

Julio Verne, francês, exagera as características inglesas, como a frieza e pontualidade a um nível cômico. Também ressalta a latinidade do francês, com uma postura mais emotiva e humana. Há o deslumbramento diante de cada cultura. Como terá sido para o autor reunir tamanha quantidade de informações sobre diferentes países e religiões? Será que viajou? Conhecia pessoas e obras em diferentes lugares? Pesquisou tudo para escrever seu romance?
O momento em que Fogg aposta sua fortuna no sucesso da viagem
É claro que as vezes as descrições soam estranhas – sugerindo que ele não tinha exatamente ideia do que estava falando – como ao descrever uma manga:

“mangas, de bom tamanho, castanho escuro por fora e de um vermelho muito vivo por dentro, e cujo fruto branco, ao desfazer-se entre os lábios, proporciona aos verdadeiros gourmets um prazer sem igual.”

Por vezes, soa estranho a tradução antiga, como ao descrever o saquê e os quimonos:

“´kirimon´, espécie de roupão cingido por uma faixa de senda formando na cintura, pelo lado de trás, um laço extravagante.”
“Saki, licor tirado do arroz em fermentação...”

Mas o resultado final vale muito a pena. E assim descreve o caminho percorrido, os percalços, as aventuras, num ritmo bastante adolescente, despretensioso de ser um livro culto, mas claramente comprometido com o entretenimento. E que diversão! O livro tem ritmo suave, gostoso, e um final bastante surpreendente. 



E aí, você prefere viajar pelos livros ou de verdade?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Minha Experiência com o Kindle

No final do ano, ganhei um Kindle Paperwhite de presente.

Ah! Sim! Um lindo presente para qualquer leitor assíduo, já de cara com a perspectiva de "baixar" alguns livros gratuitos, ou comprar outros a preços reduzidos. Agora que conclui a primeira leitura com ele, estou apto a emitir algumas opiniões, quem sabe úteis para os que estão na dúvida.



Primeiro: a ideia é muito boa. Com uma tela que não tem “backlight” (a iluminação por trás da tela, como acontece nas tvs, computadores e tablets), é possível ter uma leitura confortável como a de um livro normal. Entre outras vantagens, sem os custos de gráfica, o livro fica inevitavelmente mais barato. 

Também não tem problema de esgotar a tiragem, e qualquer erro que tenha escapado da revisão pode ser corrigido imediatamente. Os autores ocultos em cada um de nós também ganham com a popularização dos e-readers, como são chamadas essas maravilhas da tecnologia. É que agora, ao invés de tentar uma editora, você simplesmente lança seu livro. Pode ser de graça, pode ser por um valor simbólico, mas dá para submeter sua "criatura" ao mundo, e esperar pelas críticas.

Ele é leve, fácil de levar e segurar, guarda um mundão de livros dentro (e tem cópia na nuvem, portanto vc não perde, e não se preocupa). A bateria dura mais de mês, você pode consultar o dicionário (se tiver wi-fi), pode grifar e pode comentar quanto quiser. Pode baixar para ele seus livros em PDF, que você não tinha saco de ler no computador.

Se quiser, é possível mudar o tamanho das fontes. Se por um lado isso nos livra daquelas edições desumanas, que cansam os olhos, esse recurso acaba com o sentido de ter um número de página. Dependendo da formatação, você passa a ter uma “posição”, ou porcentagem do livro lida. Ele guarda a posição para você. Não existem marcadores (snifff).

Minha esposa sempre se irritou com a luz do abajur acesa. Com o Kindle, dá pra ler confortavelmente no escuro, e a luz projetada é bem mais discreta. Você se torna autônomo. Lê no avião sem aquele foco te destacando na escuridão. Lê tranquilo em lugares com iluminação insuficiente.

Tudo isso é OK! Sou a favor! Mas entendo se sua reação inicial for de “torcer o nariz”. Puxa, gosto tanto de trocar livros com minha família! A gente lê um e gosta, e quer compartilhar pra ter diferentes comentários. Não dá para compartilhar livro eletrônico. Você só pode indicá-lo. Além disso, gosto do cheiro de pó dos livros tradicionais (ou do cheiro de novo), não sou alérgico a eles. Gosto de como ficam na minha prateleira, numa diversidade colorida, me lembrando toda a informação que entrou na minha cabeça e que me tornou uma pessoa melhor (acredito mesmo que o livro nos faz isto). Gosto de marcadores, capas coloridas, dedicatórias. Tudo isso fica meio sem sentido quando visto numa tela que não é colorida (podia ser...).

Como ter o melhor de cada opção? Vá com as duas! Estou lendo no Kindle, e também em livros tradicionais. Dou prioridade a ele quando vou viajar, ou quando estou na fila do médico, ou esperando abrir o portão da escola do meu filho. Mas não abro mão do livro físico, com seu cheiro, seu charme, seu peso. Não dá pra andar entre as prateleiras de uma biblioteca de Kindle, e sentir aquele silêncio que contém toda a paz do mundo.

Já experimentou o silêncio que existe bem no meio de uma biblioteca?
O que vai acontecer? Ainda tenho uma fila de livros físicos para ler. Com o tempo, no entanto, imagino que as novas compras fiquem mais “dentro” do Kindle, ou ao menos a maioria delas. Livro eletrônico é mais barato, não amarela, não molha, não é comido por cupim. Ainda assim, todas as sensações aliadas ao livro físico nunca deixarão de fazer parte do prazer da leitura. Duvido que consigam acabar com nossos amigos de papel. O futuro dirá