quinta-feira, 23 de maio de 2013

Mais um Victor Hugo Cinematográfico


Os Trabalhadores do Mar – Victor Hugo

Ao começar a leitura do terceiro Victor Hugo de minha prateleira, logo de início já recebi um presente. A coleção da Abril Cultural – “Os imortais da Literatura Universal” inicia esta edição e Julho de 1971:

- Tradução de Machado de Assis
“O texto de “Os trabalhadores do mar” que aqui publicamos é o da segunda edição da tradução de Machado de Assis, feita em 3 volumes, pela Tipografia Perseverança, RJ, em 1866, e citada no “Dicionário Bibliográfico Brasileiro” de Augusto V. Alves Sacramento Blake (vol.IV, Pag 197, ed Imprensa Nacional, Rio, 1898). Atualizamos apenas a ortografia e permitimo-nos emendar alguns evidentes erros tipográficos. Conseguimos esse texto, hoje em dia bastante raro, do Dr Plínio Doyle, que mui gentilmente nos permitiu reproduzir, em xerox, um exemplar de 1866 de sua propriedade.”

Não tenho conhecimento técnico sobre tradução. Sou apenas um apaixonado por livros. Acho que a tradução é quase uma adoção – ou co-autoria. A obra do mestre Victor Hugo, traduzida por outro Mestre, só podia encantar! Eu me lembro de ter comentado em uma resenha recente, que estranhava a antiguidade da linguagem de uma tradução. Me questiono quando uma tradução deve ser atualizada – e agora mais especialmente – quando ela NÃO deve ser alterada.

Victor Hugo continua bastante “cinematográfico” para mim. A própria escolha da “gente do mar” para contar suas histórias já dá mais profundidade  à obra. As viagens ao mar permitiam literalmente ir além do horizonte, conhecendo o mundo, relativizando suas verdades culturais. Que caldo mais nobre para o fortalecimento da alma humana?

Seu desenrolar das histórias em diferentes núcleos de personagens que se cruzam (que comentem em resenhas anteriores), faz com que se crie uma espécie de cumplicidade com o leitor. Assim, ele pode num capítulo descrever um vulto, com uma determinada roupa, que desempenha determinadas atividades, sem nunca citar qual o personagem, mas com a certeza de que sabemos qual é , e de que continuamos no “fio” da história. O ambiente inteiro é descrito, sem que esta exposição seja enfadonha. Você conseguirá sentir a brisa, o cheiro de mar, a rispidez do solo, o ferimento numa pedra pontiaguda, a dificuldade de uma peripécia.

Em alguns trechos, o emocional vai crescendo – e você intui o que vai acontecer. Ainda que previsível, uma alegria te invade quando suas expectativas se confirmam, qual uma criança que ganha o que tinha pedido. Te faz correr pelas páginas, perder um pouco do sono noturno, atrasar o próximo compromisso, protelar uma tarefa importante – continuar colado no livro.

Seu ritmo é ágil, e não há trechos áridos, como em “O corcunda..” ou “Os miseráveis..”. Nada é excessivo – tudo compõe os personagens e cenários. Agora com 3 livros dele no currículo, reconheço seus personagens masculinos como sobreviventes fortes, unidirecionais – ou muito bons, ou muito maus. Não mudam de ideia, mas se entregam ao amor romântico. Já os femininos são dominados pelas emoções. Passam por dificuldades, mas não renunciam a seus sentimentos e vontades – desapercebidas de seu poder.

Para quem quer conhecer o autor, fica a dica – mas eu iniciaria por “Os Miseráveis”.

Trechos selecionados:

“Havia nele a ligação do alucinado e do iluminado. A alucinação entra na cabeça de um campônio como Martin, do mesmo modo que na cabeça de um rei como Henrique IV. O Desconhecido faz surpresas ao espírito do Homem. (...) Resulta daí um mistoerioso estremecer de ideias: o doutor dilata-se até o vidente, o poeta até o profeta...”

“Em certos pontos, a certas horas, contemplar o mar é sorver um veneno. É o que acontece, às vezes, olhando para uma mulher.”

“Tem mistérios aquele canto; uma virgem é o invólucro de um anjo. Feita a mulher, desaparece o anjo; volta, porém, depois trazendo uma alma de criança à mãe. Esperando a vida, aquela que há de ser mãe algum dia, conserva-se muito tempo criança, a menina persiste na moça; é uma calhandra...”

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Viagens de Gulliver - Algumas Viagens na Maionese


Minha intenção ao escolher este livro, foi a de continuar preenchendo minhas lacunas na leitura de clássicos mundiais. Esta obra de Jonathan Swift está certamente listada entre os mais lidos, mas confesso que sua leitura foi um pouco cansativa para mim. Eu vinha de uma sequencia de literatura mais adulta, e senti falta das frases mais pesadas e reflexivas. O livro todo é cheio de nomes que achei infantis, como “Glubdubdrib” ou “Luggnagg”.

Foi traduzido como “Viagens de Gulliver”, mas seu nome de lançamento foi “Travels into Several Remote Nations of the World, in Four Parts. By Lemuel Gulliver, First a Surgeon, and then a Captain of several Ships” (trad: Viagens para várias nações remotas do mundo, em quarto partes, Por Lemuel Gulliver, primeiro um cirurgião, e então o capitão de vários navios”). Antes de ler o livro, todas as vezes em que olhava para ele na prateleira lembrava de duas coisas: o antigo desenho “As aventuras de Gulliver” (tem aqui: http://youtu.be/YVFq2e0sCeo ) que eu assistia quando criança, e as cenas mais adultas de “Laranja Mecânica”, em que Alex usava a palavra Gulliver, como gíria (“Mum, I can't go to school today, my gulliver hurts” e “Yesterday we attacked this old man in the ally, he was being obnoxious, we hit got him right in the Gulliver”).

É possível que ele tenha feito alusão aos países reais e suas relações ao descrever suas viagens. No entanto, isto é bastante sutil, e não parece ser mais importante do que o entretenimento e histórias fantásticas. Mas explica:

“Isso talvez pareça ao leitor uma história antes ocorrida na Europa ou na Inglaterra, do que em país tão remoto. Digne-se, porém, considerar que os caprichos femininos não são limitados por nenhum clima ou nação, e são muito mais uniformes do que podemos supor.”

E dá lampejos de crítica social:

“As vezes, a briga entre dois príncipes é para decidir qual deles desapossará um terceiro dos seus domínios, aos quais nenhum tem direito algum; ás vezes, um príncipe briga com outro porque tem medo que o outro brigue com ele; as vezes, inicia-se uma guerra porque o inimigo é demasiado forte; outras, porque é demasiado fraco; as vezes, os nossos vizinhos querem as coisas que temos, ou têm as coisas que queremos, e ambos lutamos até que eles nos tomem as nossas, ou nos dêem as suas.”

Causa alguma emoção no início da leitura, uma vez que todos nós já ouvimos falar da viagem a Lilipute. A cena dele sendo preso por pequenos homenzinhos numa praia, com estacas e cordas, é uma das mais frequentemente mencionadas. O livro tem várias adaptações: cinema, música, versões ilustradas, teatro, quadro, etc. - mas não entendi por que todos se concentram na história da visita a Lilipute, ignorando os outros países visitados pelo personagem. Gulliver visita o país das pessoas pequenas, mas também visita outro de gigantes, uma ilha voadora, um país de cientistas, um de necromantes, e um país governado por cavalos – entre outras descrições breves de viagens a países conhecidos (Japão, Holanda...).

A cada contato com uma cultura nova, absorvia-lhes os idiomas e descrevia seus hábitos, procurando contribuir com experiências de viagens anteriores. Transparece na narrativa a visão da Europa, e em especial do Reino Unido, como o centro da civilização ou ao menos sua referência maior. Ainda assim, ele tenta reconhecer e mostrar como somos afetados por nossos hábitos e conceitos culturais ao julgar outros povos. A cada retorno à civilização, o personagem mostra estranhamento com nossos hábitos – e como os pequenos hábitos que assimilou, como sotaques, padrões de alimentação ou vestimenta, também geram comentários e observações desconfiadas. Talvez este sentimento esteja se tornando estranho no mundo globalizado, mas dá pra imaginar como era na época das navegações e descobrimentos.

Descreve um tempo antigo, em que as viagens e conhecimentos práticos do personagem causavam distinção entre os demais. Ele era cirurgião (sempre uma ocupação importante), sabia de navegação, idiomas, e tinha interesse especial pela cultura greco-romana. Sabia construir um barco, uma casa, suas próprias roupas e comidas. Trançar uma corda, improvisar fogo, caçar, etc. A todo o tempo, tenta transparecer esses conhecimentos e o domínio da linguagem técnica correspondente, como no trecho:

“Estava o navio em alto mar, de sorte que julgamos preferível correr com o tempo a capear, ou navegar em árvore seca. Rizamos o traquete, largamo-lo e caçamos as escotas; o leme estava bem a barlavento. Houve-se a nave bravamente. Amarramos a carregadeira do traquete; mas, estando a vela rasgada, arriamos a vêrga e, depois de pô-la dentro do navio, desatamo-la de tudo o que a prendia. Rugia a borrasca, violentíssima; o mar se agitava, estranho e perigoso.”

Não foi um dos meus preferidos, mas claro que vale a leitura.