quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O Que Queremos da Tecnologia?

Quando garoto, fiz uma vez um robô com sucatas e dentro dele escondi um gravador. Para fazer a voz da criatura, bastava torna-la mais constante e monocórdia. As mensagens pré-gravadas exigiam as perguntas certas, e entregavam um conjunto limitado de respostas. Eu apertava o “play” logo após uma pergunta -  e voilá – tinha meu simulacro.

Asimo demonstrando seu apurado senso musical

Uma distância imensa de tecnologia separa meu monte de sucata do Asimo (o nome é uma clara homenagem ao escritor), simpático robô da Honda, capaz de interações diversas com os seres humanos. Ainda assim, ambos compartilham uma mesma limitação: fazem apenas o que está contido em sua programação. Não há criatividade.

O que seria da humanidade se os robôs deixassem os limites de resposta para os quais foram programados? Se fossem realmente inteligentes – até mais que nós – e passassem a assumir nossas tarefas com maior qualidade do que seriamos capazes?

Asimov propôs a mesma pergunta, e publicou uma série de contos em revistas de ficção científicas, reunidos posteriormente sob o título: “Eu, Robô”. Esqueça histórias de humanidade escravizada, como “Exterminador do Futuro”, “Matrix” ou mesmo o filme “Eu, Robô” – baseado nesta mesma obra. No universo de Asimov, as “Três Leis da Robótica” obrigam as criaturas a zelarem por seus criadores.

A mente humana sofre, porque é ela a tentar entender a si mesma: Ouroboros – a serpente que devora a si mesma. O autor queria nos mostrar que, se a inteligência dessas máquinas fossem capazes do julgamento moral, então também elas seriam vítimas de lutas internas, tais como os humanos. Seriam suscetíveis a erros de julgamento, raciocínios tautológicos, indecisões e fanatismos. Todos esses casos que desafiam a inteligência dos personagens Alfred Lanning e a Psicologa-roboticista Susan Calvin, ambos retratados de maneira superficial no filme com Will Smith.


A figura do robô na capa desta edição da Editora Aleph sintetiza o velho e o novo, e impressiona pelo bom gosto. Assim como o autômato que criei na infância, utilizaram lâmpadas ao invés das câmeras ao representar seus olhos. Simbolizamos desta forma, creio, que mais do que a funcionalidade de “enxergar” o mundo e interagir adequadamente, queremos que a tecnologia um dia tenha um brilho no olhar. Queremos que tenha uma alma para interagir conosco, satisfazendo assim a maior necessidade humana – por companhia.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Madrugada Suja - Miguel Sousa Tavares

“Nada é a feijões”

Esta frase de um dos personagens de Miguel Sousa Tavares, em seu ótimo livro “Madrugada Suja”, representa o mote da trama. Tudo tem seu preço. A cada decisão que tomamos, ou deixamos de tomar, nosso caleidoscópio dá uma volta, muda o cenário, fecha janelas e portas para abri-las em novos e surpreendentes lugares.


Na história com excelente ritmo e cheia de acontecimentos, vamos nos afeiçoando às palavras levemente diferentes do idioma usado em Portugal.  Você se pega na leitura com sua “voz mental” falando com sotaque português. Ao menos foi assim comigo. Achava tão mais bacana que ligeiras diferenças permanecessem, ao invés da infeliz revisão ortográfica em que nos jogamos!

Herdamos dos portugueses algumas características boas e outras más. Desconfio que é dos portugueses a receptividade ao estrangeiro, dado ser um país que se atirou ao mar e viajou e colonizou o mundo, miscigenou nele, ao invés dos imigrantes de tantas outras culturas, que formam guetos. Também é deles algo de nossa lascívia, como em vários trechos picantes – denotando claramente um livro escrito por um autor masculino.

“Se digo que não sei bem se ela sabia ou não o que se passava do lado de fora da casa de banho é porque, muitas vezes, recordando e constituindo o que eram essas incríveis sessões de devassa crepuscular, me parece quase impossível que tudo aquilo fosse inocente e desprevenido, da parte dela: a maneira como se estirava toda, arqueando o peito e as pernas, a maneira como rebolava de repente virando o traseiro em direção à janela, como se sentava de lado e depois de frente, expondo a todos os ângulos aquele inacreditável peito, a crueldade lenta com que passava por todo o corpo o sabão azul e branco, em cada curva, em cada reentrância, em cada músculo, esfregando como se fosse noite de núpcias, tudo isso ou era demasiado estudado ou era mesmo um dom. (...) Eu quis morrer assim várias vezes.”

As semelhanças também passam pela emotividade e apego com a família, e infelizmente, à corrupção e uso do governo e das promessas aos pobres como forma de enriquecimento ilícito e toda a sorte de corrupção. Tavares é também comentarista político, e faz várias inserções de suas opiniões sobre a união europeia e a gestão portuguesa, aproveitando o pano de fundo para o livro.

“Todos estavam endividados, mas felizes: o Estado, as autarquias, os cidadãos. Todos viviam em casa própria, mas que de facto, pertencia ao banco que lhes emprestara dinheiro a trinta anos e também emprestara para as férias no Brasil, Cuba, República Dominicana, mais o carro e os brinquedos electrónicos dos filhos”

Mas mais do que a trama política, mostrará para nós uma verdade universalmente piegas, mas verdadeira: o ser humano só quer ser amado. Das histórias de superação de uma das personagens, ao esforço dos que se levantam contra a mentira e a corrupção – passando por segredos íntimos, tudo isso está apenas emoldurando aquilo que nos faz gostar do livro. É a busca por vida em cada um dos personagens, uns indo longe de casa, outros nela ficando. A rotina em uma aldeia campestre, a vida de gente da cidade, toda entrelaçada na eterna busca humana por felicidade. A angústia da finitude, representada no saudosismo das lembranças e locais de infância - que passam a não ser visitados -  tão doloroso é o sentimento de perda que temos ao olhar as rugas no espelho.

O pano da história, das ideologias a que se aferram tantas certezas, talvez represente os limites do rio - seu curso por acidentes diversos. Mas jogado neles estamos todos, seres humanos, trombando uns nos outros, nos prejudicando e nos amando, e tentando no processo manter a cabeça para fora d´água. Enganados por alguma sensação de controle, vamos ao fluxo de uma enorme corrente, ora boiando, ora nos agarrando a algum galho ou pessoa, mas com limitada capacidade para guiar nossos destinos.

“Foi avo e mãe, mulher duas vezes, deitou-me quando adormecia de noite em frente ao lume, acordou-me quando dormia, de manhã, sem outro aconchego. Sobrevivi, literalmente, graças a ela. Mais tarde – e só mais tarde, como era hábito, passou-me também aos cuidados e atenções do meu avô, mas quando eu já tinha espigado, já mostrara que tinha vindo para viver, e já podia ir para o campo, para os animais ou para a barbearia, para o mundo dos homens, onde não havia colo nem festas na cabeça, mas silêncios e gestos mudos, uma dureza, uma secura de sentimentos, que era a maneira de os homens gostarem uns dos outros sem o dizerem.”

Aldeia Portuguesa
“Ficou a olhar, distraído, para um jogo de futebol entre miúdos, que se jogava na praia: na já quase escuridão que cobria a praia, o guarda-redes foi batido com um remate de longe e os miúdos de outra equipe saudaram o golo gritando e abraçando-se. “ A vida é feita de pequenas vitórias”, pensou, “são elas que antecipam e compensam as grandes derrotas.”

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Warren Buffet - Dicas do Maior investidor do Mundo

Como vive o maior investidor do mundo, segundo na lista de bilionários (atrás apenas de Bill Gates)?

Warren Buffet continua em sua pequena cidade, mora numa casa normal, usa um carro normal (talvez velho para padrões americanos). Tem hábitos frugais, e seu único luxo é um jato da empresa, que utiliza para cumprir seus compromissos.

“Acredito que viver aqui é melhor. Quando trabalhava em Nova York, sentia-me o tempo todo sob o impacto de mais estímulos e, como temos a quantidade normal de adrenalina, simplesmente reagimos a tais estímulos. Depois de algum tempo, isso pode levar à loucura. Aqui, pensar é mais fácil.”

Aparentemente trabalha porque isso o instiga intelectualmente. Quer se destacar na compreensão do mercado financeiro e para onde ele vai:

Até que ponto Buffet leva em conta às recomendações dos corretores? “Nunca pergunte ao barbeiro se você precisa cortar o cabelo”.

“Como diz Wayne Gretzky, vá para onde a bola está indo, não para onde ela está”

O livro de Janet Lowe é um tanto oportunista, é verdade. Embarca no sucesso profissional e pessoal dessa figura pública. Utiliza várias entrevistas e opiniões de Buffet, explicitadas em inúmeras reuniões e aparições públicas, para desenhar um perfil. É interessante conhecer a mente deste bem sucedido profissional, mas no fundo, as pessoas se interessam por ele tentando replicar seu sucesso. 


Buffet tem uma forte capacidade de desenhar cenários de longo prazo – algo que sinto muita falta no Brasil. Parece conseguir enxergar através da névoa das noticias momentâneas, espremendo apenas o suco, as informações relevantes.

 “Se você fosse um pato em um lago e uma chuva intensa elevasse o nível da água, você também começaria a subir. Mas acharia que é você que está subindo, não a superfície do lago.”

O livro não é técnico, e sua leitura é bastante rápida. Serve bastante para reforçar a necessidade de um olhar sobre a consequência futura de nossas decisões atuais.



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Os Robôs de Isaac Asimov

Eu era garoto na primeira vez que tive contato com o trabalho de Isaac Asimov. Não me lembro sequer do nome do livro. Procurava por literatura de ficção científica -  alguma coisa sobre luta entre galáxias - mas fiquei frustrado. O livro que encontrei na época até tinha uns robôs e especulações sobre o futuro, mas abandonei-o por ter longos períodos com diálogos que me faziam ficar entediado, em minha incipiente experiência como leitor. 

Foi por isso que recebi com desconfiança “Os Robôs e o Império”, das mãos de meu pai. Ele sabia que eu tinha gostado do filme “Eu, Robô” e que este havia sido baseado na obra de Asimov. Valeu muito dar uma segunda chance ao autor! Desta vez, não desgrudei do livro! A experiência de leitura das envelhecidas páginas dessa edição de 1985 foi muito recompensadora!

Mais que ficção científica, Asimov provou ser um exímio futurólogo. Consegue prever o efeito político da evolução tecnológica, bem como as implicações sociais de se ter robôs auxiliando cada uma das tarefas enfadonhas que hoje nos ocupam. Consegue ser muito interessante nos detalhes e manter um ritmo intenso, que torna a leitura muito prazerosa. 

Para manter essa intensidade, conta com muito material, retirado de duas tensões mais importantes. A primeira tensão é a de uma sociedade dividida entre Colonizadores (terráqueos que se espalharam por outros planetas habitáveis), e Espaciais (descendentes dos terráqueos, mas geneticamente melhorados, a ponto de viverem cerca de 400 anos). Nesse pano de fundo, as vantagens e desvantagens da vida longa, e suas consequências sobre a perspectiva de uniões e separações, além da prole “autorizada” ao longo desse tempo. Uma sociedade em que não há mais crimes, pois robôs coibiriam qualquer tentativa de prejudicar outro ser humano, respeitando a primeira das três leis da robótica – as mesmas de “Eu, robô”.

Numa vida longa e sem tarefas enfadonhas, seres humanos modificados perduram, mas para que? Sua satisfação pessoal é ameaçada, pela falta de realizações possíveis, num mundo em que nada precisa ser realmente feito. Sem nossa busca pela felicidade, desenvolvimento e remoção de inúmeros incômodos, estaríamos fadados à decadência e ao vazio existencial? Nesta sociedade, nem o suicídio é uma alternativa aos enfadados, pois os robôs agiriam de maneira veloz para coibir qualquer tentativa de autoflagelo. Seríamos reduzidos a crianças, observadas por seus abnegados “pais” robóticos.



Na segunda tensão – apresentada com muita elegância literária – Asimov nos faz participar dos diálogos entre dois robôs extremamente avançados. Ao acumularem experiências e conhecimentos, tornam suas mentes positrônicas capazes de um diálogo de perguntas e respostas (maiêutica) que os leva a antever movimentos políticos de líderes humanos, agindo à partir daí no interesse da humanidade como um todo – em defesa da primeira lei, e derivações que fazem desta. 

A resultante da coexistência dessas duas tensões permite ao autor levar o suspense até a última frase do livro. Já estou com “Eu, Robô” aqui, e estou virando fâ. E não é preciso me preocupar com falta de material! Asimov escreveu mais de 300 obras!