quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A Assustadora História de Nossa Ignorância

Muito bom o livro de Richard Gordon “A assustadora história da medicina”. Seu estilo é de humor ácido, destacando como esta aparentemente distinta ciência viveu muito tempo de misticismo, chutes, ou acasos, até que fossem descobertas algumas de suas bases.

Quando eu tinha 15 anos, imagino que como todo mundo, minhas ideias sobre a vida eram deveras incompletas, distorcidas. Certezas categóricas que se provaram absurdos completos, muitas vezes. Da mesma forma, minhas ideias aos 38 possivelmente parecerão esdruxulas ou incompletas quando eu tiver 60. É justo pensar assim?

Que dizer então da evolução da ciência? Nossas ideias no inicio do século XX parecem absurdas, e em breve nós veremos o quão idiotas somos ao tratar (ou padecer) de certas doenças que no futuro serão dominadas.

Sem métodos para estudar fenômenos estatísticos, comunicar diferentes experimentos e especialistas, a medicina, tal como outras ciências, engatinhou até o século 20. Absurdos completos foram defendidos, da famosa trepanação (tratamento que consiste em fazer um furo no crânio, para fazer saírem os maus espíritos) até o completo desconhecimento sobre micróbios e a necessidade de operar em ambiente limpo.

Exercer a medicina era lidar com algo religioso – o território da morte e da dor, que outrora eram explicados e tratados com a religião, diretamente. Não por acaso, sempre houveram atritos entre os médicos e o clero. É dai também, imagino, que se iniciou o desproporcional status da profissão. Ainda há algo de místico na silhueta destes profissionais, que outrora utilizaram a bengala de ouro, e hoje usam jaleco e estetoscópio no pescoço. Suas falas cheias de certeza muitas vezes me lembram do adolescente de 15 anos supra-citado.

Enfim, voltando ao livro, o desenrolar tem ritmo bom, e muitos fatos interessantes, que explicam os nomes das doenças, de alguns pontos de nossa anatomia, ou mesmo de procedimentos e tratamentos. É bonito constatar nosso avanço.  Numa critica pontual, depois da página 170 o livro parece perder energia (o autor teria se cansado? Ou foi apressado pelo editor?). Há algumas frase repetidas no livro – que eu entendo fruto de edições desastradas.

É inequívoco o avanço, e com todos os recursos que temos, as pesquisas hoje seguem mais rápido do que as pessoas são capazes de acompanhar. O médico do futuro terá que se especializar ainda mais – e talvez tenhamos mais degraus para transpor na busca por solucionar um desconforto abdominal – do que só a visita ao clinico geral e ao especialista. Talvez tenhamos que ter novos degraus: sub-especialistas e ultra-especialistas. Talvez seja o destino de toda a ciência.

Só sei que hoje já e assim: se todos tivessem acesso à melhor medicina, já estaríamos quebrados como economia mundial. É uma equação que não fecha. Vamos torcer para encontrarem respostas baratas.

  
Frases selecionadas (ou pílulas de sarcasmo):

“Cientificamente, embora seja deprimente, não passamos de sacos à prova d´água cheios de produtos químicos carregados de eletricidade, que um dia sofrem uma pane de força."

 (sobre as primeiras tentativas de vacina para varíola) “É difícil imaginar se isso reprimiu ou fortificou sua idéia de que os médicos dão medicamentos que mal conhecem, para curar doenças que conhecem menos ainda, para seres humanos dos quais não sabem absolutamente nada.”

“Como sempre acontece na medicina, os médicos continuaram a discutir e os pacientes continuaram a morrer.”

“Os médicos da era vitoriana eram brilhantes na identificação de todas as doenças cuja cura eles desconheciam por completo.”


“Como Lister descobriu a assepsia, sem saber coisa alguma sobre estreptococos, e LInd curou o escorbuto sem conhecer a vitamina C, assim também Darwin fundou a genética, sem saber ciosa alguma sobre o ADN (*DNA – o tradutor também traduziu a conhecida sigla).

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Não aprendi a gostar de poesia

Quando pequeno, fiz aulas de piano por um bom tempo. A prática me aproximou de autores do período barroco, clássico e romântico, com claras influências em minha forma de ouvir música. Desse aprimoramento de meus sentidos, aprendi a apreciar algo mais elaborado, curtir e empatizar com as emoções que afloram quando ouço uma música – e também apreciar a evolução da técnica, o momento histórico – e mesmo a tecnologia que se desenvolvia nos instrumentos e orquestras para proporcionar grandes espetáculos.

Já com a poesia, foi diferente. Poesia tinha cara de tarefa de escola, de prosa com exigências de rima e métrica. Grilhões e regras que me impediam de traduzir meus pensamentos e sentimentos. Coisa de românticos piegas, ou de vaidosos, que por acharem fácil fazer prosa, complicaram-na com outras exigências.

Reconheço que não é assim para todo mundo. Outras pessoas refinaram suas habilidades e conseguem aproveitar a poesia. Não é verdade que não me sensibilizo – em especial com Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes – mas a leitura recente de “Melhores Poemas – Cecília Meireles” foi árida para mim. Passei por todos os poemas, reconheci sua qualidade, entendi (acho) seus propósitos, mas gostar, gostar mesmo, uns três ou quatro. Num livro de mais de 180 páginas...

Fica então meu pedido de ajuda para encontrar algumas respostas. O que te faz gostar de poesia? Como posso trilhar este caminho? Ou devo me resignar e entender que não é meu estilo preferido de leitura?

Trecho selecionado:

Até quando terás, minha alma, esta doçura,
Este dom de sofrer, este poder de amar,
A força de estar sempre – insegura – segura
Como a flecha que segue a trajetória obscura,
Fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?

(fevereiro 1955) – Cecilia Meireles

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Crônica de um sucesso anunciado

Como o título já foi o spoiler, não hesito em avisar que há uma morte no livro! Mas isto é tão acessório! Tudo fica na habilidade do autor em te contar uma história – te climatizar.

Na receita para um bom romance, o ritmo tem que ser bom – e Marquez foi mestre neste livro. Dava para ter lido num fôlego só.Livros também me interessam quando o personagem central é franco - verossímel, um destaque em alguma característica, mas aquela sensação de que não atingiu todo o seu potencial - como todos nós. Deve entregar-se a vida, seja ao desejo, ou a uma situação desafiadora – ambas aventuras que são como corredeiras: você embarca no fluxo das águas, mas não consegue controlar nada durante a viagem.

Marquez nos mostra a irmandade entre os povos de origem latina. Ao longo do livro, compreendemos completamente e nos deliciamos com os detalhes das fofocas, versões, ambientes e intenções. Somos capazes de acompanhar a importância de cada relato. Será que leitores de outros continentes saboreiam este autor na mesma intensidade?
Vemos os anacronismos de nossa vida cotidiana, dos hábitos dos homens de beberem e irem a puteiros, parecendo independentes, mas tão manipuláveis. Das exigências das mulheres guardarem sua virgindade e cuidarem da roupa e da cozinha, mas definirem os destinos com base em sua trama de comentários e relacionamentos. Hábitos que permanecem no imaginário latino, mesmo após séculos de luta pela igualdade entre os gêneros. As vaidades, os símbolos de status, as diferenças sociais tão típicas de nosso continente estão explicitamente retratadas no povoado e personagens descritos na trama. Qual a receita que produziu as desigualdades sul-americanas? Como mitiga-las?

Frases selecionadas:

“ A única coisa que minha mãe censurava nelas era o costume de se pentear antes de dormir. “Meninas”, dizia-lhes, “Não se penteiem de noite que os navegantes se atrasam”. Exceto por isso, pensava que não havia filhas mais bem educadas. “São perfeitas”, ouvia-a dizer com frequência. “Qualquer homem será feliz com elas, porque foram criadas para sofrer.””

“Convenceram-na, enfim, que que a maioria dos homens chegava tão assustada na noite de núpcias que era incapaz de fazer qualquer coisa sem a ajuda da mulher e na hora da verdade não podia responder por seus próprios atos.”

“As luzes estavam apagadas, mas logo que entrei senti o cheiro de mulher morna e vi os olhos de leoparda insone na escuridão, e depois não voltei a saber de mim mesmo até que começaram a soar os sinos”

“Nasceu de novo. “Fiquei louca por ele”, disse-me, “louca de pedra.”, Bastava-lhe fechar os olhos para vê-lo, ouvia-o respirar no mar, o calor de seu corpo acordava-a à meia noite na cama.”

“Numa noite de bom humor, derramou o tinteiro sobre a carta terminada e em vez de rasga-la acrescentou num post-scriptum: “Como prova do meu amor, envio-lhe minhas lágrimas”