domingo, 24 de março de 2013

Meia-noite em Paris


“Um gênio é um gênio, mesmo quando nada faz”
Gertrude Stein

Filme realmente empolgante. A dica para assisti-lo veio de minha família, que conta com a experiência de realmente conhecer Paris, suas paisagens – e sentimentos que despertam.  Abaixo, as reflexões que tive enquanto o assistia.

Foi surpreendente como roteiro, mas mais ainda pelo fato de eu ter acabado de ler “o sol também se levanta” de Hemingway – livro em que o autor fala dos relacionamentos à época. Paris foi o centro do universo artístico no pós primeira guerra – e viu o surgimento de muito do melhor da cultura disponível atualmente. É justificada a aspiração do protagonista do filme, de participar das reuniões e vida social de tantos artistas fantásticos juntos ao mesmo tempo. A mistura entre americanos, franceses e ingleses, a descoberta da estética das touradas e sua intensidade – iniciativa de Gertrude Stein para com o grupo de artistas que frequentava sua casa - representada no filme pelo amigo toureiro de Hemingway (Belmonte Garcia), o vazio existencial de uma geração que preenchia seu tempo desfrutando as possibilidades do pós primeira guerra.

Para quem gosta da cidade-luz, fica garantido uma profusão de cenas lindas de seu cotidiano, mostrando não se tratar de uma cidade museu, mas de uma obra de arte a céu aberto, viva, em constante reconstrução – inspiradora. Destaque para a cena do início, que retrata a famosa “ponte japonesa” de Monet: http://www.walldesk.com.br/pdp/1024/04/04/Impressionismo/The-Japanese-Bridge,-Claude-Monet.jpg  - tão bonita hoje quanto no dia em que foi retratada. O deslumbramento por Paris é uma alegria gerada pelo despertar que temos ao perceber a vida em constante mutação – aperfeiçoando-se a cada ciclo -  “moveable feast”, como definido por Hemingway ao citar esta cidade especial.

De alguma forma, Paris é arte – e sensibiliza tanto quanto esta: nos faz olhar para nuances até então invisíveis. Isto aparece no filme, no diálogo de “Gertrude Stein” para o protagonista:

“ - Todos temem a morte e questionam seu lugar no universo. O trabalho do artista é não sucumbir ao desespero, mas encontrar um antidoto para o vazio da existência”

Apresentando os anos 20 em oposição a nossa época atual, Allen mostra por seus personagens que o trabalho das artes nunca foi tão fundamental. Em todo o tempo, o artista luta contra a banalização da existência humana – mas no mundo atual – vazio de significados e que vive em torno de produção/marketing/consumo, esta tarefa é ainda mais nobre e complicada.
Woody Allen revisita neste filme um tema presente em outros roteiros seus, mas faz isto com criatividade e cuidado. Ao mesmo tempo em que o artista (ele incluso) busca um olhar diferenciado do mundo, não pode se considerar diferente de seu público. Se o fizer, viverá em outro mundo, e suas descobertas ficariam distantes dos demais – não fariam mais sentido. O artista precisa de interlocutores, ou então sente-se sozinho e angustiado. A maioria das vezes, transita entre uma condição e outra – mas se considerar-se um passo à frente dos demais – passa a ser pedante. Um artista que se torna um crítico, que busca diferenciação dos demais por opiniões atípicas com doses medidas de polêmica -  é tão adormecido quanto àqueles que tentou despertar no início de sua jornada.

Sempre que pode, Woody Allen coloca em seus filmes as sutis – mas fundamentais – distâncias entre casais, que mostram a hipocrisia de alguns relacionamentos. Para muitos, em especial o público feminino, ter um relacionamento é um endosso a sua visão de mundo. Os enlaces tornam-se troféus representando sucesso social. Freudiano incontestável, mostra a todo instante a libido se movimentando – construindo e reconstruindo a teia de relacionamentos conforme ocorrem sintonias entre os diferentes personagens. O cineasta é muito bom nisso.

Allen dá um jeito de nos colocar identificados com um de seus personagens,  que conforme vai evoluindo com as experiências artísticas vai desprendendo-se de sua vida e relacionamentos passados, para lançar-se a algo novo e mais honesto.  Para o protagonista do filme, seu “insight” foi descobrir que a arte é fundamental em qualquer época, e que a ânsia que o artista sente por compartilhar suas ideias é sempre suprida pela fantasia de poder compartilhar com seus antecessores de outras épocas. Em ultima analise, esta “liga” de releituras e revisitas às artes passadas faz com que não se tenha que reinventar a roda. O Ser humano não é diferente por viver num mundo diferente. Nossas necessidades emocionais são parecidas com as dos autores dos anos 20, ou da Belle époque, ou do renascimento. Isto fica claro na atualidade do diálogo da personagem dos anos 20:

“(Gil) – Mas senti, por um minuto enquanto beijava você, que eu era imortal.
 (Adriana)- Mas você parece tão triste!
 (Gil)- Porque a vida é muito misteriosa.
(Adriana) - É a época em que vivemos. Tudo acontece tão rápido e a vida é tão ruidosa e complicada”

O esforço do artista é antes de tudo seu trabalho. Seu trabalho é, por sua vez, seu colocar-se no mundo – e só nos dedicamos a este desafio porque precisamos de relacionamentos com outros seres humanos. A tarefa do artista neste ponto é como a de qualquer um: uma busca por identificação. Ao retomar a validade de suas ações, é inevitável que o protagonista se desprenda de relacionamentos superficiais, e que se sinta mais autoconfiante. Sua autoestima é renovada ao perceber a importância de seu trabalho como artista da época a que pertence – e o resultado generosamente oferecido pelo roteirista é finalizar o filme com um despertar de novas possibilidades.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Romance Sensorial e Etílico de Hemingway


Mais um clássico para a lista - Ernest Hemingway, nobel de literatura, premio Pulitzer. Li uma versão ou o original de “O Velho e o Mar” na adolescência, mas não tenho quase lembrança – então peguei na prateleira este autor sem saber o que esperar.

A leitura de “O sol também se levanta” é um convite a continuar lendo mais obras do autor. Para quem espera uma novela cheia de acontecimentos, pode se frustrar. Ele não explora uma sequencia de fatos – mas trabalha com muita qualidade os personagens e suas experiências. Você acaba se vendo na pele dos mesmos, experimentando cada bebida, o calor de uma cidade, a tensão entre os amigos, a zonzeira da embriaguez, a delicia de um mergulho no mar.

É quase um “road novel” pois há vários deslocamentos do grupo de amigos, triângulos amorosos, bebidas. Mostra a vida de ricos europeus, sem preocupação alguma a não ser frequentar pontos turísticos, aproveitar a vida.

Interessante como essa vida de “sonho” para muitos gera tanto vazio no grupo. Em todo o livro, paira uma sensação de enfado com a vida, com certa inveja e perplexidade dos personagens principais por todos os que tocam seus caminhos  mas possuem propósitos ou necessidades que determinam suas ações. Me pareceram mimados, que podem comprar tudo, menos a satisfação de uma realização autentica o bastante para que eles próprios pudessem em seus critérios admirar.

P.S: Percebi a tradução um tanto antiga, ou inadequada, mas nada que prejudicasse o entendimento. No exemplo: “ – Essa conversa está muito cacête – disse Brett. – Por que não tomamos um pouco de champanha?”

Frases selecionadas:

“  - Bem, eu quero ir à América do Sul.
 - Escute, Robert, tanto faz um país como outro. Tenho experiência disso. Não podemos sair de dentro de nós mesmos. Não adianta.”

“E o feito que Paris inteira produzia em Robert Cohn. De onde teria Robert tirado essa incapacidade de gostar de Paris? De Mencken, possivelmente. Parece que Mencken detesta Paris e muitos jovens tiram de Mencken suas preferências e idiossincrasias.”

“Desejaria que Mike não tivesse tratado Cohn de maneira tão cruel. Mike, quando bebia, era mau; Brett sabia beber e Bill também. Cohn jamais se embriagava. Passado um certo limite, Mike tornava-se desagradável. Eu gostava de vê-lo magoar Cohn e, contudo, desejaria que não o fizesse, porque, em seguida, sentia repulsa de mim mesmo. E nisto consiste a moral: coisas que fazemos e das quais depois sentimos repulsa. Não, isso devia ser imoralidade, ponto de vista muito amplo. Quanta tolice me passa pela cabeça, à noite.”

“Saí, e fui para o meu quarto. Estendi-me na cama. A cama jogava como um navio. Sentei-me e olhei fixamente a parede, a fim de detê-la. Fora, na praça, a festa continuava. Isso me era indiferente. Mais tarde, Bill e Mike vieram buscar-me para almoçarmos juntos. Fingi que estava dormindo.”

“Entrei na água: estava fria. Quando chegou uma onda, mergulhei, nadei e voltei à superfície, sem sentir mais frio. Nadei até uma jangada, subi para ela e fiquei deitado nas tábuas quentes. Um rapaz e uma moça estavam na outra extremidade. A moça desprendera as alças de seu maiô, nas costas, e bronzeava-se ao sol. O rapaz, deitado de bruços, na jangada, falava-lhe. Ela ria ouvindo-o e apresentava ao sol as costas bronzeadas. Demorei na jangada, ao sol, até secar. Depois mergulhei várias vezes, experimentando diversas maneiras. Mergulhei profundamente, uma vez, nadei de olhos abertos, e tudo era sombrio e verde. A jangada formava uma mancha escura. Saí da água, junto dela, subi, mergulhei mais uma vez, demoradamente, e depois alcancei a praia a nado. Fiquei deitado na areia até secar, depois fui à cabina, tirei o maiô, banhei-me com água doce e me enxuguei.”

O Retrato de Oscar Wilde


Em minhas metas de leitura deste ano, preciso acrescentar alguns clássicos a meu currículo. Foi assim que peguei “O retrato de Dorian Gray” da prateleira – obra de Oscar Wilde.

Autor conhecido pelo homossexualismo numa época em que isso era um enorme tabu (acho as vezes que isto não foi superado) e pela vida de “dândi” que levou em Londres, Wilde deixa muito de sua própria vivência e entendimento do ser humano neste livro. A maioria de suas obras não foram romances, mas poesias e peças para teatro, pelo que soube. Ainda assim, faz jus ao título de “clássico da literatura”, pois é denso e bem escrito.

O primeiro contato com o livro deixa uma sensação de ritmo lento.  E então, com um fato surpreendente (que não cito aqui para não me tornar “spoiler”), o autor faz o ritmo lento tornar-se mais frenético, e o livro segue interessante até o final. No decorrer da história, podemos observar “na janela do trem” a vida na nata de uma sociedade rica, sem preocupações por sobrevivência, já anestesiada de suas culpas.

Um homoerotismo subjacente aparece nas relações de admiração e controle entre os personagens masculinos iniciais. A misoginia aparece no retrato das mulheres durante o livro – mas aparecem como crítica, não determinismo ou preconceito. São construídos cenários da sociedade fútil da época, mas que por ter ainda contar com educação forte na infância, sobra em criatividade para justificar sua inutilidade. Num estilo de vida em que tudo está garantido, os prazeres simples perdem em interesse, e é preciso drogas cada vez mais pesadas. É assim que as personagens trocam frases sarcásticas, polêmicas e desesperançosas.

O sarcasmo é uma cortina de fumaça para esconder problemas de autoestima. Nas frases inteligentes e na influência sutil de um personagem sobre o outro, aparece a genialidade do autor, mas também sua prisão e fragilidade. De forma semelhante, o caçador tem a vida da caça na ponta de seus dedos no gatilho, mas é escravo da caça por precisar da adrenalina desse momento para justificar sua existência.

Vale muito a leitura.

Frases selecionadas:

“  - Meu amigo, não falo completamente a sério. Mas não posso deixar de detestar meus parentes. Suponho que isto se deve a que nenhum de nós pode suportar a vista de outros que tenham os seus mesmos defeitos. Estou completamente de acordo com a democracia inglesa, na sua cólera contra o que ela denomina os vícios das classes superiores. O povo acha que a embriaguez, a ignorância e a imoralidade devem ser propriedade sua e, se algum de nós incorre nesses defeitos é como se invadisse os seus domínios. Quando o pobre Southwark compareceu diante do Tribunal de Divórcios, a indignação desse povo foi magnífica. E, contudo, não acredito que a décima parte do proletariado viva corretamente.”

“Costuma-se dizer que a Beleza é a maravilha das maravilhas. Só o medíocre não julga pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível... Sim, Sr. Gray, os deuses foram generosos para com o senhor. Mas o que os deuses dão, tomam logo em seguida. O senhor não tem senão uns poucos anos para viver verdadeiramente, perfeitamente, plenamente. Quando a sua juventude se desvanecer, a sua beleza ir-se-á com ela, e, então, descobrirá que nada ficou dos seus triunfos, ou terá de se conformar com esses êxitos insignificantes, que a lembrança do passado torna ainda mais amargos que derrotas.”

“ – Hum! Dize à tua tia Ágata, Harry, que não me incomode mais com as suas obras de caridade. Estou farto delas. Ora! A boa criatura pensa que não tenho mais nada a fazer, senão assinar cheques para as suas tolas manias.
 - Muito bem, tio George, dir-lho-ei, mas não surtirá nenhum efeito. Os filantropos perderam toda a noção de humanidade. É a sua mais notável característica.”

“Meu caro amigo, nenhuma mulher é gênio. As mulheres são um sexo decorativo. Não têm nunca nada a dizer, mas dizem-no de um modo encantador. As mulheres representam o triunfo da matéria sobre a inteligência, exatamente como os homens representam o triunfo da inteligência sobre os costumes.”

“Verdade é que todo aquele que observava a vida, em seu estanho crisol de dor e prazer, não podia usar máscara de vidro no rosto, nem impedir que os vapores sulfurosos lhe perturbassem o cérebro e turvassem a imaginação com monstruosas fantasias e sonhos informes. Havia venenos tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, fazia-se mister experimentar seus efeitos em si mesmo. E enfermidades tão estranhas que era preciso tê-las sofrido, para compreender-lhes a natureza.”

“A sociedade, a sociedade civilizada pelo menos, nunca se acha disposta a acreditar em alguma coisa desabonadora em relação àqueles que são simultaneamente ricos e sedutores. Considera instintivamente as maneiras mais importantes do que a moral e, em sua opinião, a mais alta respeitabilidade vale muito menos do que o fato de se possuir um bom cozinheiro.”