quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Marcas de um futuro promissor

No caminhar do autor, em especial no Brasil, muitos são os argumentos para desistir. A falta de um mercado interessado, a pobreza de nossa formação básica, dificuldades econômicas, tudo isto dificulta. É por isso que admiro profissionais de diferentes áreas que se arriscam pela madrugada, iluminados pela luz pálida de seus computadores. Quando a casa está mais calma e o vinho fez efeito, emerge em diferentes lares o(a) corajoso(a) capaz de enfrentar a página em branco do editor de textos.

É por isto que gostei da iniciativa da editora de “Marcas na Parede” (Andross, 2009), de divulgar trabalhos que são as raízes para a carreira de autores iniciantes. Ver orgulhoso seu nome no livro (embora alguns textos da capa estejam com contraste ruim), expor-se à crítica de amigos, familiares e leitores anônimos, conhecer suas próprias deficiências e aptidões. Não há jeito fácil de fazer isto. É preciso se expor. Alguns o fazem em blogs, interessante alternativa, mas nada te prepara para o prazer de ver um livro com seu nome dentro.

Sei como pode ser intimidante lidar com um texto longo e uma narrativa com muitos acontecimentos e personagens. Começar pequeno é a chance de lapidar frases, conhecer a reação do leitor, enfim, experimentar ser autor num ambiente controlável. O texto pequeno é mais palatável a autores e leitores. Mesmo o mestre Machado de Assis, publicou seus “Contos Fluminenses” em 1870, antes de seus romances famosos, possivelmente exercitando-se para a maestria que apresentaria a seguir.

Há algo de novo nos filmes e livros de terror lançados ultimamente? Sempre giram em torno de nosso medos ancestrais: do escuro, do predador, de ficar sozinho, de morrer. O gênero “terror” é bastante batido, mas os autores de “Marcas na Parede” aceitaram o desafio e imitaram a coragem de seus personagens: entraram na sala escura, enfrentaram seus medos e demônios.  

Candelabros, casarões, cheiros pútridos, velas, monstros, maldições... “Marcas na parede” é composto por muitos contos, de três a seis páginas de duração, cheio dessas palavras e clichês, distribuídas pela imaginação de um número grande de autores. Trata-se de literatura juvenil, mais simples de acompanhar, com histórias curtas, poucos personagens, poucos acontecimentos. Ótimo para indicar para aquele amigo que acha “cult” o gênero, ou para quem ainda está treinando como leitor.


É nessa simplicidade que está sua maior virtude. Pode ser a porta de entrada para literaturas mais elaboradas no gênero, depois que sabe os policiais, e talvez direto para a literatura universal, quem sabe? Desarme seu senso crítico, e curta uns minutos de arrepiante leitura. Recomendo particularmente o conto de carnaval.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Nosso Leitor: Mentes Quietas e Vulneráveis...

“Mentes Inquietas” e “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, chegaram a minha lista de leituras de um modo estranho. Estavam numa pilha de livros que o proprietário original não julgou dignos de guardar na estante. Foi meu primeiro aviso de que não eram tão interessantes, mas decidi ignorá-lo, curioso para entender porque a autora se tornou best-seller.

Sempre acho que ao ler um livro popular, vou desvendar por que fez sucesso. Acabei com algumas suposições, e algum desânimo também, que explico ao final.

A autora explica que as páginas visam trazer assuntos médicos e técnicos a um público leigo, mas idiotiza este público. As informações são rasas, cheias de dicas que considero ofensivas à inteligência do leitor, dada sua obviedade:

Ao dar dicas de relacionamento: “Tente sempre se colocar na posição do seu par. Lembre-se de que cada pessoa tem sua maneira de ser. Respeite o jeito do outro para que você também possa ser respeitado.”

SÉÉÉRIO???E por ai vai, dando dicas para professores respeitarem e terem paciência com as crianças, e outras informações nada valiosas. De onde vem isto? Você já viu um médico considerar o público leigo incapaz de entender algum assunto? Não, não acontece... Pois é, minha gente: a informação como mecanismo de submissão.

Mas se é raso, ofende a inteligência do autor, por que “Mentes Inquietas” fez sucesso e gerou uma sede da editora por mais pérolas da autora? Ora, todo mundo pode lançar um livro mais ou menos, mas aprende com a experiência do leitor, vai se desenvolvendo. Minha hipótese para este sucesso que desencadeou novos livros é: porque somos uns mimados. Isso mesmo! Num mundo individualista, em que os sucessos e fracassos são reputados ao indivíduo, sem considerar os fatores externos intervenientes, é ótimo termos uma desculpa para nossas dificuldades. Daí a formula mágica:

CRIAR IDENTIFICAÇÃO DO LEITOR COM O TEMA

Ana Beatriz escreve:

“De forma resumida, seguem algumas dicas que servem de auxílio para dar o primeiro passo rumo ao diagnóstico de TDA (Transtorno de Deficit de Atenção) em uma criança:
1) Com frequência mexe ou sacode pés e mãos, se remexe no assento, se levanta da carteira (...)
2)É facilmente distraída por estímulos externos(...)
3)Tem dificuldade de esperar sua vez em brincadeiras ou em situações de grupo (...)”

E por ai vai... 100% das crianças que conheço preenchem o critério diagnóstico simplificado pela autora. E nós todos já fomos crianças – assim... o primeiro objetivo foi atingido: criar identificação entre você e o tema. Você se descobre um TDA incompreendido.

DESCULPAR NOSSAS FALHAS

Agora que intimamente me sinto TDA, descobrirei sobre interpretação benigna da autora sobre o advento deste diagnóstico:

“Onde essa história se iniciou, não se sabe dizer; no entanto, a mudança no “foco” da questão possibilitou retirar o TDA da esfera moralista e punitiva e leva-lo para uma esfera científica e passível de tratamento. É isso o que realmente importa.”

O que se seguirá é uma discreta indução, mostrando primeiramente que as pessoas com TDA não têm realmente culpa por serem dispersas, por vezes desorganizadas, impulsivas. Um depoimento deixa isto claro:

“Só saber que eu era TDA tirou uma tonelada de meus ombros. Eu não era bagunçado porque queria ou porque era preguiçoso. Eu tinha dificuldades concretas mesmo!”

Não cabe mais ao TDA trabalhar a disciplina ou regular seu desejo, capacidade difícil para todos desenvolvermos, em maior ou menor grau. O TDA foi declarado incapaz disto, precisa de medicamento! Pode sentar enquanto o medicamento faz sua parte.

MOSTRAR NOSSOS PONTOS POSITIVOS

Agora que me sinto TDA, não me culpo por minhas indisciplinas e dificuldades com impulsos (que afinal são fruto de um determinismo biológico), posso agora olhar para o lado brilhante do TDA. A autora mencionam em vários momentos a necessidade de não olharmos os TDAs com uma postura julgadora e moralista, mas faz um julgamento moral no sentido contrário. Na escolha dos depoimentos, os TDAS são figuras criativas, de ritmo mais forte e maior perspicácia, diferentes dos medíocres normais:

“Costumávamos acampar com amigos até que resolvemos que seria melhor viajarmos sozinhos, pois ninguém acompanhava o nosso ritmo.”(...)

Ou várias citações atribuindo aos TDAs uma chave extra para as invenções do mundo. Há até uma lista de possíveis TDAs, como Einstein, Fernando Pessoa, entre outros ilustres...

E O SEGURO DA AUTORA: INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS

Para não ofender seus iguais, a autora coloca uma serie de relativizações, estas sim com fundamento teórico. Informa que o diagnóstico de TDA depende  de muita observação (igualzinho vemos os psiquiatras fazerem antes de receitarem ritalina para crianças), que tudo é uma questão de grau, e que somos mesmo mentes diferentes tanto genética quanto no âmbito do comportamento.

Isso é verdade e claro no livro. Aliás, isto redime a leitora, e utilizo isto aqui também. É lógico que há pessoas com dificuldades fundamentais de concentração. O que não fica claro é a base ideológica para a decisão médica de criar este critério diagnóstico. Estatística! É possível traçar uma curva normal (normal para a estatística é o que é mais frequente) para os níveis e atenção e capacidade para disciplinar nossos desejos imediatos, e quem sai da norma é transtornado!

No “Mentes Perigosas”, encontramos uma autora mais à vontade. Ela agora é famosa, e vai variando títulos e o assunto principal, mas a formula se repete. Há a óbvia diferença de que não se pode empatizar os leitores com psicopatas. Nesse caso, você ficará melhor como vítima desses verdadeiros “lobos em pele de cordeiro”. Não há aqui um interesse em retirarmos um olhar julgador sobre o fenômeno da diversidade genética. Aqui é possível considerar esses “facínoras” como o mal personificado.

Se você foi prejudicado, não é porque estava indefeso ou lhe faltava experiências para avaliar o comportamento do outro e evitar um golpe. Claro que você nunca banca o bobo e é incapaz de se iludir! Afinal, você não tem culpa de haver maldade no mundo. Os psicopatas são seres moldados pelos seus objetivos pessoais e dispostos a tudo para obter o que querem. Nossa sociedade é em parte culpada por não puni-los ou mesmo por valorizar o individualismo, mas enquanto discutimos isto, eles estão lá, tramando pelos seus objetivos.


O desânimo que senti ao lê-los? Li dois livros da autora - para mim já deu. Como leitores somos ingênuos, e as editoras se aproveitam disto. Num sucesso embarcam outros, enquanto alguns bons trabalhos permanecem na fila de espera. A lógica não é a de cativar uma clientela com títulos de qualidade. É só vender mesmo, e ainda o fazem com falhas de logística e distribuição, basta ver a falta de títulos e a bagunça nas livrarias. Nosso futuro reserva apenas livros em série, títulos sobre liderança e autoajuda? Parem o mundo! Quero descer....