sábado, 17 de maio de 2014

O que é o Homem sem seu Trabalho?

Admirado por Tolstoi, James Joice, George Bernard Shaw, e outros nomes importantes, Tchekhov foi médico e famoso escritor russo. Sua literatura se destacou ao representar técnicas modernas para sua época, como a desconsideração por um final ou fecho para a história, e a elaboração psicológica das personagens e a representação de seu fluxo mental.

Foi por isso que “furei a fila” de meu planejamentos de leituras, iniciando o quanto antes “As três irmãs”. Para quem está habituado a romances, ler uma peça de teatro gera um estranhamento inicial. Foi assim que me senti também ao ler “O amor do Soldado”, peça de Jorge Amado. Tchekhov nomeia as personagens, faz uma descrição simples do cenário, e parte para o ato, com variadas interações se alternando, gente entrando e saindo, mas o ambiente intacto, sem descrição de mudanças. Como alterna entre os nomes e os apelidos (Maria torna-se Macha, ou Machenka), algumas vezes tive que reler os trechos, buscando entender a quem uma fala se dirigia. Tudo o que acontece - e não espere muita ação - é descrito nas falas deles. Não há recursos descritivos para o que está acontecendo. Não há uma voz do autor, outra característica deste tipo de obra.

Não cheguei a sentir falta de um fecho. Não há essa necessidade. Estamos acompanhando a história como alguém que observa pela janela, despercebido. Não sabemos o passado, e tampouco o futuro daqueles que se manifestam, e entendemos o que acontece com base em dicas de suas falas, ou em lacunas que preenchemos com nossas teorias. Não estamos testemunhando um acontecimento atípico, apenas o fluxo da vida, suas conclusões e insatisfações.Fiquei suficientemente entretido com o fluxo ao longo da peça. As personagens bem descritas fazem você querer acompanhar as cenas, digerindo o que cada uma pensa, analisando e mergulhando em seu contexto de vida.

Os temas envolvem desde os costumes russos e interação entre familiares e conhecidos, a uma crítica social. Formado médico através de seu esforço, Tchekhov viu e tentou ajudar os pobres de sua cidade. Critica a aristocracia russa, tanto quanto Tolstoi tenta fazer com seu Liêvin (Ana Karenina). Mostra-lhes a futilidade e falta de propósito de vida. O tédio irremediável, e seu combate por meios duvidosos, como o acúmulo de cultura,  brigas pueris, a bebida, ou o jogo.

Talvez tenha sido o cenário que antecedeu às revoluções que ocorreram naquele país, e que tanto alteraram o panorama político e econômico mundial. Ainda assim, não é explícito ao abordar o tema, não torna o livro panfletário. Escolhe como meio de entrada nesse assunto o drama de pessoas hábeis e inteligentes, que não conseguem ver seu valor e sentido para vida por não constituírem sua identidade social através do produto de algum trabalho.

“Ah! A nostalgia do trabalho! Como a compreendo, meu Deus. Nunca fiz nada, em toda a minha vida. Nasci em São Petersburgo, uma cidade fria e ociosa. Nasci de uma família que jamais conheceu trabalho e preocupações. (...) Já se está preparando uma boa e formidável tempestade que avança, que já está perto, que muito breve vai cair sobre nossa sociedade e vai ´varrer´ a preguiça, a indiferença, a podridão do tédio, os preconceitos contra o trabalho. Um dia, trabalharei.”

Como primeira leitura, provou seu valor (como se pode atestar nos trechos selecionados abaixo), mas talvez se deva começar por uma de suas crônicas. Numa pesquisa rápida, a mais famosa é “O Jardim das Cerejeiras”.

Frases selecionadas:

“Muitas vezes penso: e se recomeçássemos a vida, desta vez conscientemente? Se vivêssemos uma vida como quem faz um rascunho, e pudéssemos vive-la de novo passada a limpo? Então cada um de nós teria sobretudo tentado não se repetir e tentado criar condições d evida diferentes, uma casa florida, como esta, cheia de claridade.”

“Depois de nós, os homens viajarão de balão; as roupas terão mudado de forma; descobrirão, talvez, um sexto sentido e o desenvolverão, mas a vida continuará a mesma, uma vida difícil, plena de mistérios e feliz. Daqui a mil anos o homem suspirará como hoje: “Ah! Como a vida é dura!”. Mas, da mesma maneira que hoje, terá medo e não quererá morrer.”


“A vida é pesada para se carregar. Muitos entre nós a consideram silenciosa e desesperada e no entanto devemos confessar que ela se torna dia a dia mais luminosa, mais fácil e tudo nos faz crer que não está longe o tempo em que ela se iluminará inteiramente.(...) Hoje tudo isso já foi vivido, deixando para trás um enorme vazio que não sabemos evidentemente como preencher. A humanidade procura apaixonadamente e encontrará, é certo, Ah! Mas que ela se apresse!(pausa) Se se juntasse a cultura à capacidade de trabalho e a capacidade de trabalho à cultura, então...”

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Eu sempre gostei de imaginar que existe algo mais.

PARALELOS é o primeiro romance de Leonardo Alkmin. Sua carreira envolve atividades como ator e roteirista (Ah! Eu tenho muita vontade de escrever roteiros!).

Gêmeos num acidente de ônibus. Um morre, mas pelo plano divino, o outro é que deveria ter morrido. Isso cria um desequilíbrio nas leis universais. A história se desenrola, alternando entre os acontecimentos na terra, com o gêmeo que deveria ter morrido, e no outro plano, com o gêmeo que deveria ter sobrevivido.

A história contada por Leonardo Alkmin tem ritmo frenético de acontecimentos. Transmitiu para mim uma ansiedade do autor por fazer acontecer uma história, como se ele tivesse que passar por pontos pré-estabelecidos. Parece ter tido a necessidade de manter um volume de novidades vindo, num esforço para manter o interesse do leitor. Seria um vício de outros formatos a que ele se dedica? O esforço produziu mais de 400 páginas, mas não evitou um livro ralo.

Ele também tenta fazer suspense sobre o final, imprimindo uma atmosfera mais “thriller”, em especial na participação de uma repórter investigando a vida dos envolvidos no acidente. As coincidências que ele tem que criar para que a repórter consiga viver a história de perto são meio forçadas. De qualquer forma, consegue não ser óbvio, e o final não decepciona.

Do que eu gostei:

Da imaginação de criar toda uma hierarquia no universo pós-morte, e definir regras para sua interação com os vivos. Eu sempre gostei de imaginar que existe algo mais. Se você gosta de histórias que envolvam o plano espiritual, pode ter bons momentos de diversão, sem um ranço religioso.

Alkmin também é hábil ao descrever seus personagens adolescentes, o que me faz indicar o livro mais para esse público. As descrições de viagens, emoções maniqueístas, sentimentos amplificados, sensualidade, são bastante verossímeis. Parecem lembranças do próprio autor.

Do que eu não gostei:

Da necessidade de “justificar” as regras universais baseado em teorias da física. Tem trechos muito chatos, como:

“Ao se tocarem, provocavam a liberdade assintótica. Como estavam reduzidos a quarks, a liberdade assintótica era a saída obvia, porque, paradoxalmente, quando a distância entre os quarks diminui, a interação da energia fica mais fraca, até anular-se.”

Nesses trechos, os olhos vão correndo, até que um novo parágrafo nos devolve para a história principal. E esse “pedágio” se repete por vários capítulos, falando de quarks, muons, taus e todo o zoológico de partículas. O autor se atrapalha todo entre a individualidade que ele precisa dar aos personagens etéreos e seus dilemas, e as regras que definem que esses personagens “existem” mas não como indivíduos separados do todo.


Eu me lembro de ter tido esse mesmo desagrado quando li alguns livros da série “Operação Cavalo de Troia”, uma história legal, mas com páginas de pseudociência, só pra tentar dar uma aura de verdade à realidade proposta. Pra que isso?