sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Última Tentação de Cristo


Escrever é Espiritual. 

Este foi meu primeiro contato com o autor de “Zorba – O Grego” e de “O Cristo Recrucificado”. O que me atraiu para o livro foi sua relevância para a literatura mundial, mas desconfiava que a polêmica religiosa pudesse ter sido a única razão de seu sucesso mundial. Como sabemos, basta falar de religião para detonar uma incrível polêmica. Dependendo do tema, o povo sai se matando – o que classifico como trágico, mas também ridículo.

Como não sou religioso, não passou por mim nenhum pudor maior ao conhecer esta releitura da vida de Jesus. Ainda assim, talvez haja um prazer maior na leitura, se você já teve algum contato com algum dos evangelhos, pois vai reconhecer momentos importantes, como o “sermão da montanha”, alguns milagres, a luta de Jesus no templo, entre outras. O livro não faz propaganda religiosa, mas consegue ser espiritual ao contemplar a vida, ao humanizar a personalidade de Jesus. Faz sem medo o saudável exercício de questionamento das histórias do evangelho, e também as diferentes opiniões que se pode ter sobre o que se convenciona Bem e Mal:

“Alguém veio aqui enquanto eu dormia – disse o rapaz baixinho, como se temesse que o visitante ainda estivesse por ali e pudesse ouvi-lo – Veio alguém... Sem dúvida foi Deus, Deus..., ou teria sido o diabo. Quem consegue distinguir entre os dois? Eles trocam de cara. Deus ás vezes é só escuridão; e o diabo, só luz. Por isso, o espirito do homem fica desorientado.”

 Mais do que isso – e é preciso destacar nesta resenha – O LIVRO É MUITO BEM ESCRITO. Suas 500 páginas passam rápido. Alguns trechos são realmente lapidados – primorosos - e tudo tem um ritmo bom, não há partes áridas. Kazantzakis mostra o constante debater de Jesus com seu destino, revelado a ele por Deus (ou seus representantes – anjos e outras figuras, que se alternam ao longo da trama). Será que ele, ou Judas Iscariotes, tiveram livre-arbítrio? Será preciso procurar Deus fora? Será imprescindível uma vida de abnegação e pobreza? Ele passa ao largo da questão política da época (romanos x Judeus x outros povos), mas usa esse cenário com sabedoria – e é tocante nos momentos em que contempla a vida comum e sua beleza intrínseca. Suas descrições do deserto fazem sentir sede. Ao ler sobre a comida, sentimos fome. Sobre as mulheres, sentimos desejo.

Frases Selecionadas:

“Ali fora ainda estava claro: a luz do verão afastava-se lentamente da terra como se não quisesse ir embora. Homens e bois voltavam de seu trabalho nos campos. Donas de casa acendiam o fogo para preparar a refeição vespertina; a fragrância de lenha a queimar invadia o ar da tarde. Maria fiava, e seu pensamento volteava para um lado e para o outro, acompanhando o movimento do fuso.”

“O filho de Maria estava tranquilo. Sentou-se na raiz da antiquíssima oliveira e pôs-se a comer. Esse pão era tão bom! E a água tão refrescante! E como eram deliciosas as duas azeitonas que a velha lhe deu para acompanhar o pão! Os caroços eram finos, e elas eram gordas e polpudas como maças. Ele mastigava, sereno, e comia sentindo que seu corpo e sua alma eram agora um só, que os dois estavam recebendo o pão, as azeitonas e a água através de uma só boca, e que os dois com isso se alegravam e se nutriam.”

“ – Ora, pobre coitado, você não sabe que não se encontra Deus os mosteiros, mas sim nas casas dos homens? Onde quer que se vejam marido e mulher, ali está Deus. Onde quer que haja crianças, pequenas preocupações, cozinha, brigas e reconciliações, é ali também que Deus está. Não dê ouvidos a esses eunucos. As uvas estão verdes! Estão verdes! O Deus de que lhe falo, o Deus doméstico, não o monástico, é esse o verdadeiro Deus. É a ele que você deve adorar. Deixe o outro para aqueles idiotas preguiçosos e estéreis no deserto!”

“Madalena estava deitada de costas, inteiramente nua, encharcada de suor, seu cabelo negro como a noite espalhado no travesseiro e os braços cruzados atrás da cabeça. Seu rosto estava virado para  a parede, e ela bocejava. O embate com homens nessa cama desde o amanhecer a deixara exausta. Seu cabelo, suas unhas, cada centímetro de se corpo recendiam aos cheiros de todas as nações, e seus braços, seu pescoço e seus seios estavam cobertos de mordidas.”

“ – Ele é um de nossos filhos. É por isso que as Escrituras chamam-no de Filho do Homem! Por que vocês pensam que milhares de israelitas, homens e mulheres, copularam geração após geração? Para esfregarem seus quadris e excitarem as virilhas? Não! Todos esses milhares e milhares de beijos eram necessários para que se produzisse o Messias.”

“ – Não, não quero me calar! – prosseguiu o rapaz, com os nervos em frangalhos – Agora que já comecei, é tarde demais. Não vou calar a boca. Sou um mentiroso, hipócrita. Tenho medo da minha própria sombra. Nunca digo a verdade, não tenho coragem. Quando vejo uma mulher passar, enrubesço e abaixo a cabeça, mas meus olhos enchem-se de desejo. Nunca ergui minha mão para roubar, açoitar ou matar. Não por não ter vontade, mas por ter medo. Deus, mas tenho medo. Medo! Medo! Se você olhar dentro de mim, verá o Medo, um coelhinho trêmulo, alojado em minhas entranhas. Só o medo e nada mais. Ele é meu pai, minha mãe e meu Deus.”

“Como podem, então, Onipotente, olhar diretamente para o Senhor? Tenha piedade, Senhor; modere sua força, diminua seu esplendor, para que eu, pobre e aflito, possa vê-lo! Então escute, meu velho, Deus transformou-se num pedaço de pão, numa caneca de água fresca, numa túnica aconchegante, numa cabana e, na frente da cabana, numa mulher amamentando uma criança.”

“Gemendo, Maria Madalena abraçou o homem de forma a manter seu corpo grudado ao dele.
 – Nenhum homem jamais me beijou. Nunca senti uma barba nos meus lábios e no meu rosto; nem os joelhos de um homem entre os meus. Hoje estou nascendo... Você  está chorando, meu filho?
 - Amada esposa, eu nunca soube que o mundo era tão lindo nem que a carne era tão sagrada. Ela também é filha de Deus, a graciosa irmã do espirito...Eu nunca imaginei que os prazeres do corpo não fossem pecaminosos.
 - Por que você se decidiu a conquistar os céus, a suspirar à procura da milagrosa água da vida eterna? Sou eu essa água. Você debruçou-se, bebeu e encontrou a paz...”

“Passaram-se os dias, os meses, os anos. Na casa de mestre Lázaro, multiplicavam-se os filhos e filhas, e Marta e Maria competiam para ver quem daria à luz mais crianças. O marido lutava. Ás vezes na carpintaria, com o pinho, o carvalho e o cipreste, derrubando a madeira e forçando-a a assumir a forma de utensílios para os homens. Às vezes no campo, com ventos, toupeiras e urtigas. À noite ele voltava exausto para se sentar no quintal, e suas mulheres vinham lavar-lhe os pés e as pernas, acendiam a lareira, serviam a mesa e abriam os braços para ele. E da mesma forma que ele trabalhava a madeira, liberando os berços que estavam presos a ela, e trabalhava a terra, liberando as uvas e as espigas do grão que estavam dentro dela; da mesma forma ele trabalhava as mulheres e de seu ventre liberava Deus.”

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

É preciso ler mais para saber

A escolha de conhecer Nietzsche iniciando por “Crepúsculo dos Ídolos” foi apenas em função de uma liquidação de “pocket books”. Não é um mal começo, mas fica claro desde o início, que é preciso alguma ordem, ou orientação para compreender o trabalho do filósofo. Esta resenha é mais um lembrete para minhas emoções durante a leitura, do que uma tentativa de (impossível) síntese representativa das idéias do filósofo.

Ficou para mim, nesta leitura, uma vontade de saber mais, em especial de “Além do bem e do mal” ou “assim falou Zaratustra”. “Crepúsculo dos Idolos” é o ultimo livro que o autor viu ser publicado, antes de seu colapso nervoso – como me informou o prefácio. Isto que impacta mais na leitura deste texto inteligente. Ele é denso! E bem escrito! Tem horas que navegamos fácil por suas frases, concordando com o autor e sentindo seu ímpeto e indignação. 

Indignado! Aliás, esta é uma diferença marcante em relação a outros filósofos. Quando um filósofo escreve sobre algo, é porque quer compartilhar suas conclusões. Está, então, numa espécie de trégua com suas dúvidas, pois encontrou algum sistema que permitiu uma resposta enriquecedora e aceitável. O livro de Nietzsche, não tem esta tranquilidade. Ele combate as próprias certezas com raiva e persistência, como se estas fossem inimigas a tentar dissuadi-lo de sua busca.

Se ficou louco ao final da vida, bem pode ser dessa intranquilidade. Sem solo firme para qualquer verdade, sempre escolhemos algum dogma, pessoal ou coletivo, para apaziguar nossa inquietação, e construir a partir desta arbitrariedade. Nietzsche foi corajoso ao negar tal artifício. Quer ser inconformado, jovem de espírito – e talvez tenha submetido seu corpo e mente a algo mais do que podiam conter.

No caminho desta luta interna, deixa cadáveres pela estrada, entre eles o cristianismo, a moral, a tentativa de controle de nossas vontades animais por qualquer mecanismo de Estado ou ideologia controladora. Acredita num mergulho nas profundidades de nossa humanidade (em seu sentido mais incontrolável), e espera que a ordem social possa surgir desta consciência, não mais como hipocrisia, mas como escolha – e se assim fosse, sem todas as neuroses atuais.

Foi difícil selecionar poucas frases. Segue abaixo as que mais impacto causaram:

“O que as “escolas superiores” da Alemanha efetivamente alcançam é um adestramento brutal que, com o menor dispêndio possível de tempo, visa tornar um grande número de jovens aproveitável, explorável, para o serviço do Estado. “Educação superior” e grande número – coisas que se contradizem de antemão. Toda educação superior pertence apenas à exceção: é preciso ser privilegiado para ter direito a um privilégio tão elevado.”

“ Só se é fértil ao preço de ser rico em oposições; só se permanece jovem se a alma não se espreguiça, não anseia pela paz... Nada se tornou mais estranho para nós do que aquele anelo de outrora, o de “paz da alma”, o anelo cristão; nada nos causa menos inveja do que a vaca moral e a felicidade gorda da consciência tranquila. Renuncia-se à grande vida quando se renuncia à guerra...”

“Toda a psicologia antiga, a psicologia da vontade, pressupõe que seus autores, os sacerdotes à testa das antigas comunidades, queriam se arrogar o direito de inflingir punições – ou queriam arrogar esse direito a Deus...Os homens foram imaginados “livres” para que pudessem ser condenados, punidos – para que pudessem se tornar culpados: em consequência, toda ação teve de ser imaginada como querida e sua origem como presente na consciência (o que transformou a mais radical falsificação in psychologicis em princípio da própria psicologia...”

“O direito à estupidez. – O trabalhador cansado e que respira lentamente, de olhar bonachão, que deixa as coisas andar como andam: essa figura típica que agora, na época do trabalho (e do “reich”!), encontramos em todas as classes da sociedade, reivindica hoje precisamente a arte, incluindo o livro, sobretudo o jornal – e mais ainda a bela natureza, a Itália... O homem do entardecer, com os impulsos selvagens adormecidos de que fala Fausto, necessita do veraneio, do banho de mar, das geleiras de Bayreuth...Em tais épocas, a arte tem direito à pura tolice – como uma espécie de férias para o espirito, o engenho e o ânimo. Wagner entendeu isso. A pura tolice restaura...”

“Quando o anarquista, na condição de porta-voz das camadas declinantes da sociedade, exige “direito”, “justiça” e “direitos iguais” com uma bela indignação, apenas se encontra sob a pressão de sua incultura, que não consegue compreender por que realmente ele sofre – do que é pobre, de vida... Ele é dominado por um impulso causal: alguém deve ser culpado por ele estar mal... Só a “bela indignação” já lhe faz bem, vociferar é um prazer para todos os pobres-diabos – isso dá uma pequena embriaguez de poder. Já basta a queixa, o queixar-se, para dar à vida um encanto pelo qual se suporta vive-la: há uma dose sutil de vingança em toda a queixa: a pessoa censura aqueles que são diferentes, como se isso fosse uma injustiça, um privilégio ilícito, por sua situação ruim, ‘as vezes até por sua ruindade. “Se sou canaille, também deverias sê-lo”: é com base nessa lógica que se faz revolução. – O queixar-se não vale nada em caso algum: ele provém da fraqueza. Atribuir sua situação ruim a outros ou a si mesmo – a primeira atitude é própria do socialista, a última, do cristão, por exemplo – não faz qualquer verdadeira diferença. O que há em comum, digamos o que há de indigno nisso, e que alguém deva ser culpado por sofrermos – em resumo, que o sofredor prescreva para seu sofrimento o mel da vingança.”

“Mas quem sabe, afinal, se desejo mesmo ser lido hoje? – Criar coisas nas quais o tempo gaste seus dentes em vão; esforçar-se por alcançar uma pequena eternidade na forma, na substância – nunca fui modesto o bastante para pedir menos de mim. O aforismo, a sentença, nos quais sou o primeiro s ser um mestre entre os alemães, são as formas da “eternidade”; minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz num livro – o que qualquer outro não diz num livro...”

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Receita para um romance de Jane Austen


- Você vai precisar de uma família com filhas mulheres, sem dotes em dinheiro suficientes para manter seu atual nível de vida;
- A personagem da mãe deve ser emocional, quase ingênua na percepção dos relacionamentos à sua volta. Deve ser pura no interesse em que as filhas sejam felizes;
- O pai deve ser um exemplo de retidão e consciência da condição frágil em que as mulheres estão no mundo. Se for vivo, afeiçoa-se à filha mais consciente, mantendo com ela uma comunicação que as outras não alcançam;
- dentre as filhas, uma delas se interessará por um cavalheiro que provará ao longo do livro não ter caráter. Normalmente isto não quer dizer necessariamente que ele não a ama, mas que prefere garantir sua saúde financeira casando com um partido melhor;
- As irmãs mais novas se comportarão de maneira inadvertida ou não esperada para damas de sua idade. São ingênuas e entregues às emoções;
- Uma das filhas (a “Jane Austen” da família) valorizará a leitura e terá consciência acima de sua idade, com inteligência sagaz facilmente perceptível por outros no mesmo nível. Esta terá o maior prêmio no final – o amor verdadeiro de um Homem de valor.
- Parentes assumirão posições indiscretas, insinuando romances nos encontros sociais, ou tentando descobrir as preferências das filhas. Em momentos críticos, um ou mais deles terá importante papel para resgatar uma das irmãs que fica doente (e é sempre durante a gripe que elas conseguem sua paixão);

Ok, ok... começando assim minha resenha de “Orgulho e Preconceito”, novamente corro o risco de causar a ira dos fãs da autora. Soma-se a isto minha afirmação de que gostei mais do filme do que do livro – em minha resenha de “Razão e Sensibilidade”.

Como reparo, afirmo desde já que também reconheço a autora como uma mulher à frente de seu tempo, e que fez muito mais do que outras na época, denotando inteligência. O que não posso fazer é fechar os olhos para a previsibilidade dos livros, e o ritmo cansativo de seus diálogos.

Tinha a hipótese de que esses diálogos morosos eram causados pela tradução para o português. De fato, ao ler o “Orgulho e Preconceito” em inglês, reparei que ficam mais apropriados, embora em muitos momentos (especialmente nos bailes), pedaços inteiros do livro são desnecessários. Parecem existir para que a autora possa tripudiar um pouco da volatilidade de humor e da futilidade das mulheres não inteligentes na sociedade da época – como um nerd faz questão de ressaltar sua inteligência frente aos fúteis que lhes praticam “bullying”.

Minha convicção após este segundo livro é que mais do que o estilo da autora, o que apaixona tantos fãs são os velhos motes românticos, que se ajustam tão bem à moral da época em que as histórias tomam corpo. É a crença naquela UMA PAIXÃO arrebatadora, que contra tudo e contra todos elevará em especial a moça para níveis inimagináveis de felicidade, sem nunca mais trazê-la de volta às misérias da vida comum – que arrebanha os aficcionados. 

Teria eu direito de tirar-lhes este gosto pelo amor romântico, que tanto aflige nossa biologia, mas que por séculos recebe tributos nas artes e literaturas? Não, não posso fazê-lo. Cada um vive suas emoções... enfim, cada um paga suas contas no campo emocional. Nunca faltarão fãs para esta autora. Deixo apenas, abaixo, a frase de F.Nietzsche, para reflexão:

"Todas as paixões têm uma época em que são apenas funestas, em que puxam suas vítimas para baixo com o peso da estupidez - e uma época posterior, muito posterior, em que se casam com o espírito, em que se "espiritualizam"."


Frases selecionadas:
“Vanity and pride are different things, though the words are often used synonymously. A person may be proud without being vain. Pride relates more to our opinion of ourselves, vanity to what we would have others think of us”

“To Mr Darcy it was welcome intelligence – Elizabeth had been at Netherfield long enough. She attracted him more than he liked – and Miss Bingley was uncivil to her, and more teasing than usual to himself. He wisely resolved to be particularly careful that no sign of admiration should now escape hum, nothing that could elevate her with the hope of influencing his felicity; sensible that if such an idea had been suggested, his behavior during the last day must have material weight in confirming or crushing it. Steady to his purpose, he scarcely spoke ten words to her through the whole of Saturday, and though they were at one time scientiously to his book, and would not even look at her.”

(de Mr Bennet para Elizabeth) “An unhappy alternative is before you Elizabeth. From this day you must be a stranger to one of your parents. – Your mother will never see you again if you do not marry Mr Collins, and I will never see you again if you do.”

(de Mr Bennet para Elizabeth) “Next to being married, a girl likes to be crossed in love a little now and then. It is something to think of, and gives her a sort of distinction among her companions. When is your turn to come? You will hardly bear to be long outdone by Jane. Now is your time.”

“Then, perceiving in Elizabeth no inclination of replying, she added ‘ Unhappy as the event must be for Lydia, we may draw from it this useful lesson; that loss of virtue in a female is irretreavable – that one false step involves her in endless ruin – that her reputation is no less brittle than it is beautiful, - and that she cannot be too much guarded in her behavior towards the undeserving of the other sex.”

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Resenha Skoob - A Ilustre Casa de Ramires


Já devo ter comentado isto em outra resenha, mas já há alguns anos tenho comigo a promessa de terminar cada livro que começo. Previne que eu abandone um livro antes que ele “engate” e fique bom.

Confesso que “A ilustre casa de Ramires” me tentou a quebrar a promessa. A leitura estava muito rebuscada no começo. Não tenho vocabulário para lê-lo sem visitas constantes aos verbetes de dicionário. A frase abaixo é emblemática nesse ponto:

“ ´Bofé!...Mentes pela gorja!... Pajem ,o meu murzelo!...´; e através de toda esta vernaculidade circulava uma suficiente turba de cavalariços com saios alvadios, beguinos sumidos na sombra das cógulas, ovençais sopesando fartas bolsas de couro, uchões espostejando nédios lombos de cerdo...”

Também achou difícil? Entendo que para a educação da época, isto talvez fosse mais viável, mas tornava o livro muito chato pra mim. Aos poucos, porém, o autor vai nos afeiçoando ao Gonçalo Ramires. Vamos gostando de seus jeitos nobres, mas verossímeis, suas covardias, suas atitudes generosas.

Talvez seja tudo parte do plano do autor, de relacionar seu personagem à Portugal. O antigo país podia ser assim, intelectual, valoroso, tradicional. Carrega ainda essas ideias, e sabemos que transmitiu muitas delas ao Brasil.

É claro que não passaram para nossa cultura apenas a generosidade, bom humor, nobreza. Transmitiram também a diferença marcante entre ricos e pobre, e um fisiologismo – claros nas relações de Gonçalo com a coisa pública. Enfim, de minha parte, reforço a admiração pela cultura portuguesa, que em seu balanço é mais boa que má.

Trechos selecionados:

“Despido, soprada a vela, depois de um rápido sinal-da-cruz, o fidalgo da torre adormeceu. Mas no quarto, eu se povoou de sombras começou para ele uma noite revolta e pavorosa. André Cavaleiro e João Gouveia romperam pela parede, revestidos de cotas de malha montados em horrendas tainhas assadas! E lentamente, piscando o olho mau, arremessavam contra seu pobre estômago pontoadas de lança que o faziam gemer e estorcer sobre o leito de pau-preto.”

“As duas manas Lousadas! Secas, escuras e garrulas como cigarras, desde longos anos, em Oliveira, eram elas as esquadrinhadoras de todas as vidas , as espalhadoras de todas as maledicências, as tecedeiras de todas as intrigas. E na desditosa cidade não existia nódoa, pecha, bule rachado, coração dorido, algibeira arrasada, janela entreaberta, poeora a um canto, vulto a uma esquina, chapéu estrado na missa, bolo encomendado nas Matildes, que os seus quatro olhinhos furantes de azeviche sujo não descortinassem – e que a sua solta língua, entre os dentes ralos ,não comentasse com malícia estridente!...”

“Agora, porém, durante três, quatro anos, os regeneradores não trepavam ao governo. E ele, ali, através desses anos, no buraco rural, jogando voltaretes sonolentos na assembleia da vila, fumando cigarros calaceiros nas varandas dos Cunhais, sem carreira, parado e mudo na vida, a ganhar musgo, como a sua caduca, inútil torre!”

“ – Pois a D. Ana é uma beleza! Vocês não imaginam!... Santo nome de Deus! Que ombros! Que braços! Que peito! E a brancura, a perfeição... De endoidecer! Ao princípio, como havia muita gente, e ela estava para um canto, acanhadota, não fez sensação. Mas depois lá a descobriram. (...)
 - Pois, por mim, o que posso afirmar é que a senhora D. Ana é uma mulher muito asseada, muito lavada...”

“ – Talvez seriam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a impensa bondade, que notou o senhor Padre Soeiro... Os fogachos e entusiasmos, que acabam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro quando se fila à sua idéia... A generosidade, o desleixo, a constante trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpulos, quase pueris, não é verdade?...A imaginação que o leva sempre a exagerar até a mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sempre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em apanhar... A esperança constante nalgum milagre, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palrador, tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo, que o acobarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa... Até aquela antiguidade de rala, aqui pegada à sua velha torre, há mil anos... Até agora aquele arranque para a África... Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?
 - Quem?...
 - Portugal.”

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Resenha Skoob - O Príncipe

Os fins justificaram os meios

27/08/2012

Tinha uma cota de pocket books para resgatar com meus pontos de fidelidade. Dentre os títulos, escolhi “O príncipe” de Maquiavel, pela curiosidade de ler um autor que virou adjetivo (“maquiavélico”) e ao qual se atribui a frase: “Os fins justificam os meios”. Outra menção a este título foi feita por FHC em uma de suas entrevistas para uma revista semanal, numa interessante alusão a seu período no poder e ao de seu sucessor.

“O Príncipe” parece ser um dos primeiros, senão o primeiro tratado de ciência política. Nele, o autor se baseia em experiências que pode observar, sobre os principados de sua época, e traça com base em seus exemplos as regras gerais que garantiriam a manutenção do poder e a coesão do estado político. Teve a oportunidade de discutir estados mais democráticos em outro texto, mas neste descreve principados em suas mais variadas formas, por hereditariedade, conquistados belicamente, adquiridos em acordos, etc.

É de sua escrita realista, sem floreios nem respeito à ética religiosa que surgem seus críticos, impingindo a sua autoria a ideia de que os fins justificam os meios. Na verdade, os fins destes críticos, que eram os de desacreditar este autor, justificaram os meios difamatórios. Não é dele a frase emblemática, e também não vi a defesa destas ideias com quaisquer outras palavras, ao menos não em “O Príncipe”.

Num texto protocolar, ilustrado de exemplos, organizado em tópicos como uma revisão moderna, elenca uma série de ideias que, por sua generalidade, aplicam-se ao longo do tempo a toda manutenção de poder, não só de um estado, mas de qualquer poder. Me lembrou muito o “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, e foi sem surpresa que soube que ele próprio tem o seu livro homônimo.

Frases selecionadas:

“Porque os romanos fizeram, nesses casos, tudo aquilo que os príncipes sábios devem fazer, os quais não somente devem atentar para os conflitos presentes, mas também aos futuros, impedindo-os com toda a habilidade, já que, prevendo-se o amanhã, facilmente os conflitos podem ser remediados; contudo, esperando que a ti se apresentem, não haverá mais tempo para a cura, porque a doença tornou-se incurável. E ocorre com isso o que os médicos dizem acerca da tuberculose, que, no princípio da doença, é fácil de curar e difícil de reconhecer, mas no progresso do tempo, não tendo sido no princípio conhecida e medicada, torna-se fácil de reconhecer e difícil de curar.”

“Precisava que Ciro encontrasse os persas descontentes com o império dos medas, e os medas moles e efeminados devido a uma longa paz.”

“De onde é de se notar que, ao tomar um Estado, deve o seu ocupador pôr em curso todas aquelas ofensas que lhe são necessárias fazer; e fazê-las todas de uma vez, para não ter que renová-las a cada dia e poder, sem variações, manter a população e governar para beneficiá-la. Quem faz de outro modo, ou por timidez ou por mau conselho, sempre necessitará ter o cutelo na mão e não poderá manter os seus súditos, nem podendo os súditos, pelas sempre renovadas injúrias, sentirem-se mantidos pelo ocupador. Porque as injúrias devem ser feitas todas juntas, a fim de que, mão saboreando-as menos, ofendam menos: os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, de modo que sejam bem saboreados.”
“Deve, portanto, um príncipe não fugir da infâmia de cruel para ter os seus súditos unidos e fieis, porque, com pouquíssimos exemplos, será mais piedoso do que aqueles que, por demasiada piedade, deixaram seguir as desordens, das quais nascem os assassinatos ou a rapinagem(...)”

“E há que se entender isso, que um príncipe, sobretudo um príncipe 
novo, não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens são tidos como bons, sendo mesmo necessário para manter o Estado, operar contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. E também é preciso que ele tenha o ânimo disposto a mudar-se segundo o comando dos ventos da fortuna e as variações das coisas e , como acima se disse, a não abandonar o bem, podendo, mas saber entrar no mal, se necessário.”



sábado, 25 de agosto de 2012

Ceticismo


 (Wikipedia): A dúvida é um importante preceito cético. O ceticismo (português brasileiro) ou cepticismo (português europeu) (AO1990: ceticismo) (derivado do verbo grego σκέπτομαι, transl. sképtomai, "olhar à distância", "examinar", "observar") é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza absoluta a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de questionamento permanente e na inadmissão da existência de fenômenos metafísicos, religiosos e dogmas. O termo originou-se a partir do nome comumente dado a uma corrente filosófica originada na Grécia Antiga.

Ao conversar com todos, percebia-se em sua expressão algumas notas de tristeza. Nunca admitira, no entanto, uma visão amarga sobre a vida, por mais razões que tivesse para tal. Seu perfil apenas não era dado aos rompantes extremados da emocionalidade, evitando tanto a alegria desabrida quanto a negra tristeza ou desilusão. Sabia rir, e tinha dias difíceis como qualquer mortal, mas participava sua alma dessas atuações de maneira comedida e cautelosa.

Tinha sobre a humanidade um olhar cético, por vezes mordaz, de quem sabe no íntimo o que mobiliza as pessoas em suas decisões mais cotidianas. Suas experiências e leituras permitiram uma análise do contexto muito superior ao daqueles com quem dividia sua jornada. Como resultante deste talento preditivo, era vista por todos como um ser dotado de sabedoria.

Mas ao mesmo tempo sentia-se na maior parte do tempo sozinha. Não tinha para consigo a mesma clareza de avaliação que gozava ao olhar a vida alheia. Apesar de considerar esta condição bastante poética, faltava para si o alívio de consciência de que estavam autorizadas as outras pessoas. A ela não era tão fácil compartilhar uma experiência na proteção de uma amizade, pois raros eram os que podiam entrever seus motivos e questões com a devida profundidade. Não conseguia ver sentido nas fúlgidas férias da consciências geradas por alguma droga, o excesso de sono, de consumo, excesso de mundo.

Tampouco sentia-se livre para destruir na fogueira da exposição de suas fraquezas o ideal tão necessário às pessoas em seu entorno. Talvez soubesse que apesar de alcançar longe os detalhes da paisagem do espirito humano, não tinha destino diferente de nenhum de seus pares. Também a ela cabia a finitude, bem como um intervalo de vida solitária; ora bela a causar uma explosão interna de reflexões; ora horrível, a produzir a fuga para a caverna de sua resignação e impotência.


Resenha de "O crime do padre Amaro"


O crime do padre Amaro

Eça de Queiroz, deixa de lado os finais felizes românticos e engaja-se politicamente, num texto (que hoje seria explicito, quase ingênuo) de crítica ao fator político imposto pela igreja e seus representantes, ao mesmo tempo em que com maestria conduz uma história humana, de desejos e sua luta com convenções e proibições sociais.

Para mim, o ponto mais interessante foi este segundo. Se o envolvimento político do autor fica datado, baseado nas aspirações de uma geração que já foram provadas na história (embora alguns teimosos ainda se apeguem ao passado), a segunda fala da natureza humana, tema que está sempre ali na esquina, faz parte da vida de todos. O próprio autor, após pesadas críticas à religião, coloca no final do livro o abade, personagem que redime a classe e mostra a importância de uma vida espiritual - mesmo que mantenha que a religião nem sempre leve a este objetivo.

Mais um belo exemplar de nossa literatura: escrito com habilidade, com um ritmo bastante adequado, descrições só quando necessárias (e nesses momentos são viscerais, deliciosas).

Frases selecionadas:
“A S. Joaneira esperava no alto da escada; uma criada enfezada e sardenta, alumiava com um candeeiro de petróleo; e a figura da S. Joaneira destacava plenamente na luz da parede caiada. Era gorda, alta, muito branca, de aspecto pachorrento. Os seus olhos pretos tinham já em redor a pele engelhada; os cabelos arrepiados, com um enfeite escarlate, eram já raros aos cantos da testa e no começo da risca; mas percebiam-se uns braços rechonchudos, um colo copioso e roupas asseadas.”

“O pároco fechou a porta do quarto. A roupa da cama entreaberta, alva, tinha um bom cheiro de linho lavado. Por cima da cabeceira pendia a gravura antiga dum Cristo crucificado. Amaro abriu o seu breviário, ajoelhou aos pés da cama, persignou-se; mas estava fatigado, vinham-lhe grandes bocejos; e então por cima, sobre o teto , através das orações rituais que maquinalmente ia lendo, começou a sentir o tique-tique das botinas de Amélia e o ruído das saias engomadas que ela sacudia ao despir-se.”

“Na sua cela, havia uma imagem da Virgem coroada de estrelas, pousada sobre a esfera, com um olhar errante pela luz imortal, calcando aos pés a serpente. Amaro voltava-se para ela como para um refúgio, rezava-lhe a Salve-Rainha: mas, ficando a contemplar a litografia, esquecia a santidade da Virgem, via apenas diante de si uma linda moça loura; amava-a; suspirava, despindo-se olhava-a de revés lubricamente; e mesmo a sua curiosidade ousava erguer as pregas castas da túnica azul da imagem e supor formas, redondezas, uma carne branca...Julgava então ver os olhos do Tentador luzir na escuridão do quarto; aspergia a cama de água benta; mas não se atrevia a revelar estes delírios, no confessionário, ao domingo.”

“Amaro ouvia-a falar, com a cabeça baixa, olhando-a de lado; a sua voz naquele silêncio dos campos parecia-lhe mais rica, mais doce; o grane ar dava-lhe uma cor mais picante às faces; o seu olhar rebrilhava. Para saltar umas lamas tinha apanhado o vestido; e a brancura da meia, que ele entreviu, perturbou-o como um começo da sua nudez.”
“ – É natural, coitado – disse, já com a mão no fecho da porta. Que queres tu? Ele tem para as mulheres, como homem, paixões e órgãos; como confessor, a importância dum Deus. É evidente que há-de utilizar essa importância para satisfazer essas paixões; e que há-de cobrir essa satisfação natural com as aparências e com os pretextos do serviço divino... É natural.”

“Trinta em oito vezes de seguida recomeçara o rosário, e sempre o saiote escarlate se interpunha entre ela e  Nossa Senhora!...Então, desistira, de exausta, de esfalfada. E imediatamente sentira dores vivas nas pernas, e tivera como uma voz de dentro a dizer-lhe que era Nossa Senhora por vingança a espetar-lhe alfinetes nas pernas...
O abade pulou:
 - Oh minha senhora!...
 - Ai, não é tudo, senhor abade!
Havia outro pecado que a torturava: quando rezava, às vezes, sentia vir expectoração; e, tendo ainda o nome de Deus ou da Virgem na boca, tinha de escarrar; ultimamente engolia o escarro, mas estivera pensando que o nome de Deus ou da Virgem lhe descia de embrulhada para o estômago e se ia misturar com as fezes! Que havia de fazer?”

“ – Aí tem o abade uma educação dominada inteiramente pelo absurdo: resistência às mais justas solicitações da natureza, e resistência aos mais elevados movimentos da razão. Preparar um padre é criar um monstro que há-de passar a sua desgraçada existência numa batalha desesperada contra os dois fatos irresistíveis do Universo – a força da Matéria e a força da Razão!
 - Que está o senhor a dizer? Exclamou assombrado o abade.
 - Estou a dizer a verdade. Em que consiste a educação dum sacerdote? Primo: em o preparar para o celibato e para a virgindade; isto é, para a supressão violenta dos sentimentos mais naturais. Secundo: em evitar todo o conhecimento e toda a idéia que seja capaz de abalar a fé católica; isto é, a supressão forçada do espírito de indagação e de exame; portanto de toda a ciência real e humana...”

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Resenha de Razão e Sensibilidade, de Jane Austen


Um caso de filme melhor do que o livro?

Foi pela atração pelo trabalho e figura da atriz Emma Thompson que um dia escolhi assistir “Razão e Sensibilidade”, filme do diretor Ang Lee. Daí a assistir outros filmes sobre os modos ingleses antigos (Howards End, Vestigios do Dia e mesmo o Orgulho e Preconceito, da mesma autora), foi um pulo. Ela foi a roteirista do filme, e não por acaso, poderei ser acusado de defender sua versão da história – considerando-a melhor que a de Jane Austen.

Vou me arriscar nesta resenha. Ao terminar a leitura de Razão e Sensibilidade, que gostei tanto no cinema, confesso que achei infundada a legião de fãs que a autora reúne. Não achei o livro muito bom.
Não sei se o brilhantismo dela sumiu na tradução da versão que li, ou se foi outra coisa, mas achei o livro ordinário em alguns pontos, e considerei mesmo que as entrelinhas lidas pelos estudiosos sobre uma suposta visão crítica da sociedade burguesa é que engrandeceram sua obra ao grande público. Se lermos seu livro sem esta ideia prévia, no entanto, a história parecerá mais um romance dramático, bem situado temporalmente, e só. Tem personagens que me pareceram mais “rasos” que os dos clássicos brasileiros que li recentemente.

O jeito da autora, de contar a história pelos diálogos entre os personagens, por vezes é enfadonho, mesmo que possamos ver com algum prazer a forma de pensamento vigente na época. Jane Austen (e o roteiro do filme fortalece isto) viveu numa sociedade inglesa machista, quase de castas. Seus fãs alardeiam que seus romances denunciam a situação oprimida da mulher daquele tempo. Cá pra mim, acho até possível que se deduza isto, mas nas mais de 300 páginas deste romance, nem uma palavra foi dita sobre a condição dos criados, independentes do gênero – infinitamente mais oprimidos. Sem discursos inflamados de esquerda por aqui, mas é engraçado uma autora alardeada por sua consciência política ter um lapso destes.

Edward Ferrars, é desculpado de sua rica vida de “dissipação” de tempo e fortuna. A mesma sorte não têm aqueles com mesma conduta, se ousam professar ou atirar-se a suas paixões, mas não mantém suas palavras e constância. Amar é sublime e sensível, qualidades importantes, mas mudar de amor sem ser forçado a isto é prova de falta de caráter. Ok, talvez aqui um resquício romântico, entendo que era a literatura da época. O trabalho não enobrece, ao contrário, quem o faz são os hábitos de leitura e dedicação às artes, assim como caminhadas, discussões inteligentes e outros usos do tempo ocioso (que delícia!).

Bom, para Emma Thompson, meus parabéns. Para Jane Austen, ainda me resta o volume de “Pride and Prejudice” – isto mesmo, em inglês, que pretendo ler em seguida, para quem sabem redimir a autora em meu conceito.

Frases selecionadas. Ao reler as páginas que marquei, achei o restante chato, então ficaram só estas:

“Ele próprio (Edward) não era capaz de fazer justiça a si mesmo; mas, tão logo conseguisse dominar a timidez seu modo de agir demonstrava que tinha um coração aberto e afetuoso, que era inteligente e possuía uma educação que lhe garantira um sólido desenvolvimento. Mas não apresetava a menor habilidade nem disposição para corresponder aos desejos tanto de sua mãe quanto de sua irmã, que sonhavam vê-lo tornar-se notável e importante por...nem mesmo elas sabiam por quê. Queriam que ele tivesse destaque no mundo de um jeito ou de outro. (...) Mas Edward não dava importância para grandes homens ou caleches. Toda sua aspiração centrava-se em conforto doméstico e em uma vida particular tranquila.”

“ – Uma mulher com vinte e sete anos – afirmou Marianne, depois de pensar por um momento – jamais pode ter esperança de inspirar afeto. Se sua casa for desconfortável e sua fortuna pequena, suponho que deva se submeter a desempenhar as funções de enfermeira do marido a fim de garantir a manutenção e segurança de sua vida como esposa. Casar-se com uma mulher nestas condições nada teria de impróprio, mas seria um pacto de conveniências e o mundo ficaria satisfeito. Aos meus olhos, no entato, este não seria um casamento, de maneira alguma. Para mim, significaria apenas um contrato comercial em que cada qual se beneficiaria à custa do outro.”


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Deliciosas frases de "Senhora"

Minha resenha sobre "Senhora" de José de Alencar, também disponível no Skoob:

"Inverossímel, mas Agradável"


Da virgem dos lábios de mel para este livro, quase outro autor, com um senso apurado nos diálogos e um estilo (ainda) formal, mas menos pomposo.

A agudeza de suas descrições deixa os ambientes e passa aos costumes da vida social no Rio de Janeiro. É dai que surge a fraqueza do livro, em minha humilde opinião.

Aurélia, a "Senhora" do título, aos 18 anos, por ter passado pela situação de pobreza e riqueza, é estranhamente madura e planeja um ardiloso plano para "vingar-se" de seu único amor, ou como sugere o próprio autor, deixar-lhe patente a grandeza de seu amor por um supremo sacrifício do destino. A mesma consciência das situações, inteligência e sagacidade nos diálogos com Seixas (o amado) contradizem que caia numa vingança tão vil, ainda que fosse inconsciente desejo de viver a seu lado.

Ainda assim, é o tipo de romance que gosto, pois nos agarra à história e pede leitura até sua conclusão.

Trechos selecionados:
"Felizmente D. Camila tinha dado a suas filhas a mesma vigorosa educação que recebera; antiga educação brasileira, já bem rara em nossos dias, que, se não fazia donzelas românticas, preparava a mulher para as sublimes abnegações que protegem a família e faze da humilde casa um santuário."

"Ouviu-se um frolido de sedas, e Aurélia Assomou na porta do salão.
Trazia nessa noite um vestido de nobreza opala, que assentava-lhe admiravelmente, debuxando como uma luva o formoso busto. Com as rutilações da seda que ondeava ao reflexo das luzes, tornavam-se ainda mais suaves as inflexões harmoniosas do talhe sedutor.
Como que banhava-se essa estátua voluptuosa, em um gás de leite e fragrância.
Seus opulentos cabelos colhidos na nuca por uma diadema de opalas, borbotavam em cascatas sobre as alvas espáduas bombeadas, com uma elegante simplicidade e garbo original que a arte não pode dar, ainda que o imite, e que só a própria natureza incute."

"Os lindos cabelos negros refluíam-lhe pelos ombros presos apenas com o arco de ouro, que cingia-lhe a opulenta madeixa; o pé escondia-se em um pantufo de cetim que às vezes beliscava a orla da anágua, como um travesso beija-flor."

"Parecerá estranha esta paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge.
Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos,. porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ningém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos".



"Quando Aurélia diberara o casamento que veio a realizar, não se inspirou em um cálculo de vingança. Sua idéia, a que afagava e lhe sorria, era patentear a seixas a imensidade da paixão, que ele não soubera compreender; sacrificando sua liberdade e todas as esperanças para unir-se a um homem a quem não amava e nem podia amar, desnudava a seus olhos o ermo sáfaro em que lhe ficara a alma, depois da perda desse amor, que era toda sua existência. Esse casamento póstumo de um amor extinto não era senão esplêndido funeral, em face do qual Seixas devia sentir-se mesquinho e ridículo, como em face da essa o soberbo compenetra-se da miséria humana."

"Aurélia cerrara as pálpebras, e atirara de novo a cabeça sobre a almofada, com esse delicioso abandono, em que o corpo remite-se depois de um excessivo exercício. Fernando na mesma posição contemplava a formosa mulher, que ele tinha ali, palpitante sob o seu olhar e ao contato do peito onde fervilhavam os frocos de renda do talhe do vestido, aflorando ao vivo ofego da respiração."

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Mais uma resenha do Skoob

Estou tentando colocar um comentário e trechos selecionados de cada livro da biblioteca daqui.
Abaixo, O CORTIÇO, de Aluísio Azevedo

Lido à época dos "livros obrigatórios" do ensino médio, não tinha me chamado a atenção .Desta vez, relido para as resenhas do skoob, foi um verdadeiro prazer passar pelas páginas deste livro. Destaque para o trecho selecionado em negrito, abaixo:

Muito boa a capacidade de descrição do ambiente e o ritmo que consegue manter durante a história. Praticamente, você não consegue se desgrudar do livro. Sempre acontece alguma coisa, ou se introduz uma personagem importante e interessante. Como destaque negativo, a edição da "Ática", que é de baixa qualidade. Acho que o foco é que seja barata. Desmontou na minha mão, e tem espaço entre linhas bastante desconfortável.

Trechos selecionados:

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.

A roupa lavada, que ficara de v[espera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono, ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite..."

"Jerônimo não precisou de mais nada para beber de um trago os dois dedos de restilo que havia no copo.

Sóbrio como era, e depois daquele dispêndio de suor, o álcool produziu-lhe logo de pronto o feito voluptuoso e agradável da embriaguez nos que não são bêbedos: um delicioso desfalecer de todo o corpo; alguma coisa do longo espreguiçamento que antecede à satisfação dos sexos, quando a mulher, tendo feito esperar por ela algum tempo, aproxima-se afinal de nós, numa avidez gulosa de beijos."

"E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e desde que o café encheu a casa com seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo, e não tardou a fumar também com os amigos."

"Pombinha, impressionada pela transformação da voz dele, levantou o rosto e viu que as lágrimas lhe desfilavam duas a duas, três a três, pela cara, indo afogar-se-lhe na moita cerdosa das barbas. E, coisa estranha, ela, que escrevera tantas cartas naquelas mesmas condições; que tantas vezes presenciara o choro rude de outros muitos trabalhadores do cortiço, sobressaltava-se agora com os desalentados soluções do ferreiro.Porque, só depois que o sol lhe abençoou o ventre; depois que nas suas entranhas ela sentiu o primeiro grito de sangue de mulher, teve olhos para essas violentas misérias dolorosas, a que os poetas davam o bonito nome de amor. A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em seu pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia. Não a comovera tanto a revolução física. Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista, de improviso esclarecida, patenteando-lhe todos os segredos das suas paixões. Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea.(...)Que estranho poder era esse, que a mulher exercia sobre eles, a tal ponto , que os infelizes, carregados de desonra e de ludibrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que ela lhes fizera?...E surgiu-lhe então uma idéia bem clara da sua própria força e do seu próprio valor.Sorriu.E no seu sorriso já havia garras."(...)E continuou a sorrir, desvanecida na sua superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto fora posto no mundo simplesmente para servir ao feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco, precisava tirar dea sua mesma ilusão a substância do seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona dele, ia tranquilamente desfrutando o seu império, endeusada e querida, prodigalizando martírios que os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que os estrangulavam.(...)E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de machos e fêmeas a comichar, a fremir concupiscente, sufocando-lhe uns aos outros. E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas de sono, depois de um trabalho de burro, e perdendo o seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, só para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola; e tornou a ver bruno a soluçar pela mulher; e outros ferreiros e hortelões, e cavouqueiros, e trabalhadores de toda a espécie, num exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía, cujas íntimas correspondências escrevera dia a dia..."



quinta-feira, 17 de maio de 2012

De 08-2007 - Meus personagens estrangeiros e seus nomes inverossímeis

Meus personagens estrangeiros e seus nomes inverossímeis

John Barlton disse para mim outro dia que com toda a confusão do mundo, trânsito, luta por sobrevivência, poluição, aquecimento global, e um monte de “você TEM QUE” que agüentamos por absoluta falta de opção, era cada vez maior o número de amigos dele que simplesmente não eram mais compatíveis com a vida sem algum comprimido desses que os psiquiatras nos receitam e os psicólogos execram.

 Suzie Dixtensen concordou, e refletiu que ultimamente estava tendo dificuldades em vencer sua hesitação de enfrentar o mundo que ruge do lado de fora da porta de seu apartamento. As vezes, só para provar que era capaz e só “não estava com vontade”, ela se obrigava a ir ao corredor e até apertava o botão para chamar o elevador. Esta atitude invariavelmente gerava garganta seca e palpitação.

domingo, 25 de março de 2012

Maio/2007 até que foi produtivo...

Junior e o Rock Progressivo

Chamaram-no de Junior desde o começo. Era magro e aparentava fragilidade, ainda mais por usar roupas escuras a maior parte do tempo. Tinha os olhos grandes, típicos de índole observadora. Sabia pouco de si, apesar de passar tanto tempo introspectivo. De que gostava? Gostava do que gostavam aqueles que ele admirava. Naquela época, isso queria dizer rock progressivo.

Ficava confuso com os nomes de tantos músicos, mas sabia que se tivesse mais de nove minutos de duração, e solos grandes, então devia ser som dos bons. Pra ficar pior, não bastava saber o nome do vocalista. Era preciso conhecer os principais músicos, às vezes todos eles. Para não reconhecerem sua farsa, ele se esforçava: buscava gravações raras, tentava decorar uma música ou outra. Mas a maioria das vezes sentia sono no meio das músicas. Como se igualar àqueles que sabiam a letra? Solos intermináveis, ele pensava.

Uma vez, Junior deitou-se olhando para o céu e escutou Pink Floyd. Por um momento, foi transportado para outro mundo. Cada sonzinho misturado fazia sentido e sua mente se dissolveu. Não sabia nada de si, e por um momento não importava.

Fixou-se nessa banda por um tempo, mas tinha o “The Wall”. O problema do Pink Floyd era esse... não era excêntrico o suficiente. Era muito acessível. Junior era o cara que gostava de Pink Floyd, e daí?

Já faz 7 anos que ele deitou olhando para o céu, e Junior ainda não se conhece bem. Continua atrás de sua turma, que nunca está atrás dele. Agora escutam “Ramones”, e não dá tempo de sentir sono, está bem mais fácil. As letras também são bem mais fáceis de decorar. Seria o céu, mas nunca superou a questão do rock progressivo.

Oh! Por que tivemos essa fase em nossas vidas? Por que um dia achamos que o rock viraria música clássica? Junior pensa nisso e bebe vodka. Bebe de raiva de seu fígado, e por nunca ter sido apresentado à sua própria vontade.

de maio de 2007 (outro texto)

Perplexo I

Hoje cedo li um texto de Rui Castro, da Folha, falando que devíamos “ter direito a xis minutos diários de exclusividade dos próprios sentidos, sem precisar plugá-los a nenhuma geringonça do demônio ou deixá-los ser invadidos e envenenados por imagens e sons que ninguém pediu para existir.” Adorei. Apesar de viver plugado nessas invenções, não desconheço serem demoníacas.

O tempo vai passando, e como não podia deixar de ser, nossas mentes começam a se moldar por esse mundo, que agora não é mais somente o mundo natural e o subjetivo. Esse dois ainda estão lá, mas agora trespassados pelo mundo virtual.

De meu computador, consigo ver o tráfego aéreo virtual numa rede simulada do Flight Simulator. Como o mundo todo está representado lá, já tem gente que usa para velejar ou andar de lancha pelos mares. Tudo de mentira. Verdade apenas as dimensões terrestres, o clima e o tempo.

Enquanto isso, minha mulher conversa com um novo colega em Second Life. Nesse mundo virtual não existe o compromisso em parecer com o real. As pessoas voam, você pode criar uma porção de terra nova, enfim... o céu não é o limite. Enquanto eu tenho a idéia para o blog, ela está visitando as instalações da rede “Canção Nova” – que agora possui uma ilha virtual.

Trecho de conversa em Second Life:

- De que clube você faz parte?
- De um grupo de homens separados que têm a guarda dos filhos...
- Nossa, há quanto tempo está separado?
- Uma semana.
- É recente então! Deve estar se adaptando. Quantos anos você tem?
(EM PARTICULAR, para os outros não verem) – Nove.. hehe... mas não conta pra ninguém!

(!!!!)

Publicado originalmente em maio de 2007

Homens-Destino

Nada sobrevive a essa análise. Se você não achou uma resposta pronta religiosa, então verá que a única razão de existir estava em sobreviver para procriar. Como já tem gente demais no mundo, e as doenças sexualmente transmissíveis, sobreviver perde um pouco de sua essência.

E sobreviver é algo difícil hoje em dia. Nada de comida, água e abrigo apenas. Tem conta no banco, impostos, carro, internet, status e mais um monte de coisa para ocupar o tempo e a mente. No deslocado de objetivos, eram todas coisas úteis pra sobreviver e procriar. Hoje em dia, talvez seja bom o bastante pra não virar mendigo.

Pra tirar esse vazio, valem drogas, e religiões. Valem também as soluções individuais: os Homens-Destino. Estes são os que decidem uma razão arbitrária da vida, e não gastam mais suas energias com essa pergunta indigesta. Homens-destino produzem.

Alguns influenciam os outros, ganhando nova denominação. São os Homens-Destino-Dos-Outros. Pessoas que carregam dois ou mais pro destino que elegeram como bom para justificar o esforço de levantar de manhã. Irônico que seja, o fazem pelo antigo objetivo. Influenciam pelo poder e acesso a parceiros, para sobreviver e procriar. É... um vício de gerações. Coisa difícil de matar.

O Homem-destino não olha no espelho. Se olhar, sua certeza estremece. Como justificar o esforço dispendido então? Sublimar, diria o terapeuta. Mas por essa energia em que? O que não é destino arbitrário? Sobreviver e procriar? Procriar? Para que a prole sobreviva e procrie?

Não... acho que fazemos isso pra curtir de fora a descendência descobrindo as coisas da vida. Deve ser bem mais legal que internet e tv juntos.

Publicado originalmente em 07/11/2007

Mais um resgate do antigo blog:

Da trilha Sonora de "Broken Flowers" - sugestão para acompanhar

http://br.youtube.com/watch?v=01bdzqs4iq4


Baseado em depoimentos de diferentes (talvez nem tanto) alter egos:

“Acontece alguma coisa estranha com você quando viaja muito de carro? Eu “viajo” (no outro sentido) quando olho gotas de chuva se movendo com o vento gerado pela velocidade do carro, e me pergunto quem esteve no volante nos últimos 5 minutos.”

“Viajar de noite, com chuva, tem o barulho das gotas na lataria. Tem a preocupação em não pegar uma poça grande, tem a tensão em chegar logo em casa. Será que terá parado? Ou vou abrir o portão e ficar todo molhado?”

“Viajar nesses dias tem o charme do reflexo vermelho das lanternas dos outros carros. Difrações doidas por todo o lado, e a lembrança avivada do início de “Taxi Driver”. Falta só o saxofone melancólico.”

“Nessas noites de viagem tem músicas saudosas no rádio. Entre Phil Collins e Spandau Ballet, tem o locutor tentando esticar a conversa com alguém que ligou. Mas esse alguém nem tem o que falar. Quer ficar na fossa ouvindo música. Música de elevador.”

“Se você quiser, nessas noites você pode falar sozinho. Decidir coisas, pensar na vida. A viagem é longa, e a mente não suporta se preocupar apenas com o trânsito à sua frente. Dá pra olhar os detalhes em volta, mas com chuva ficam tristes. Será que a barraca de frutas tem goteira? Se eu tivesse um radinho PX, o caminhoneiro “QRA Capixaba” seria simpático?”

“Lentamente, o automóvel vai comendo a distância até seu destino, e você chegou em casa. Quando sai da estrada, ainda está com reflexos de alta velocidade, adapta-se lentamente ao trânsito local. A primeira lombada, marchas menores revisitadas. Logo você voltará para seu mundo. A “viagem” teria deixado algum legado?”

sábado, 10 de março de 2012

Ser Livre - por Flávio Gikovate

Transcrição da resenha que fiz para meu perfil no Skoob (http://www.skoob.com.br/usuario/373905 ) - para o livro: Ser Livre - de Flávio Gikovate.


Conhecia apenas os comentários do Gikovate na Rádio CBN, e gostei muito do livro. Leve e despretensioso, mas ao mesmo tempo aborda com competência este tema complexo.

No caminho da liberdade, o autor primeiro deixa claro que a entende como "a sensação íntima de alegria que deriva da coerência entre pensamento e conduta" - e decorre desta definição que precisamos compreender cada vez mais sobre nossa natureza, pensamentos e decisões, livrando-nos de convenções ou idealizações que tentam mascarar nossa idéia da humanidade.

Frases selecionadas:
"(Os Pais) deveriam, principalmente, parar de usar a si mesmos como modelo a ser proposto aos filhos (além do que uma pessoa, para se colocar como modelo, teria que estar muito convencida de que ela é, de fato, feliz, o que não é uma realidade).

"porque o homem que aceita sua condição não se sente por baixo ao desejar e nem humilhado se não for aceito; é menos insistente e menos invasivo e tal atitude é muito intrigante e, até certo ponto, ofensivo à vaidade das mulheres habituadas a serem sempre assediadas."

"Compõe as belas idéias, que são muito tentadoras, principalmente, para os jovens; e as utopias não se realizam apenas porque elas são mentirosas, isto é, não levam em conta o ser humano real. Se forem levadas para a prática, tendem a transformar-se em doutrinas totalitárias, isto porque seus adeptos se irritam muito depressa com o fato de que elas não são imediatamente bem recebidas pelo homem real."

"Pelo simples fato de se colocarem como os defensores dos oprimidos já estão agindo no sentido de humilhar os menos favorecidos e exercendo sua brutal vaidade de heróis salvadores; pretendem para os outros aquilo que eles acham que será bom para si, o que também não é bom indício de respeito e de consciência pelas importantes diferenças individuais."

" : aceito a verdade da minha condição e posso usufruir dos prazeres da vida, apenas respeitando os direitos alheios, que são o único limitador, fácil de ser respeitado. Uma pessoa que abandonar suas idéias de grandeza e de importância e que, de fato adora a praia e o mar, poderá usufruí-los o ano inteiro e não apenas nos poucos dias de férias."

"Todo mundo fala mal de todo mundo que não pense e se comporte conforme suas posições, o que se constitui numa atitude totalitária e de total desrespeito."

"Os homens trabalham e buscam destaque apenas para terem acesso a um número maior de mulheres, coisa que os envaidece e, por instantes, neutralizam a consciência da insignificância. As mulheres cuidam cada vez mais de sua aparência com a finalidade de atrair o maior número possível de homens e se sentem momentaneamente elevadas e significantes por isto."

"Todos se comportam socialmente de modo muito contido, ostentando uma alegria e uma felicidade absolutamente hipócritas; não têm nenhum tipo de naturalidade e espontaneidade, ficando obrigados a representar um rígido papel em todas as ocasiões. A estereotipia é absoluta, e o tédio é máximo."

Publicado originalmente em 25-09-2007

Olhos espanhóis

Ok, a primeira impressão que tive ao ver o povo argentino em seu dia-a-dia foi lembrar como a gente consegue se vestir melhor quando está num lugar frio. A elegância no vestir é algo bastante comum por lá. Além disso, vi menos gordos que aqui, e algo em seus olhos que os fazia lembrar a colonização espanhola. O gene está lá! Nas mulheres, olhos negros profundos, captam nossa atenção tanto ou mais que as famosas curvas da mulher brasileira.

Será que mais alguém notou esses olhos espanhóis? Essa raiz que imagino ser moura, e que se juntou de forma tão auspiciosa com os romanos formando este belo efeito? Acho que sim... numa busca rápida encontrei músicas da Madonna, do Elvis e do U2... sobre o tema. Tinha ainda uma menção a Backstreet boys... que não fui conferir por puro preconceito.

Quem quiser ver a do U2, clique: http://br.youtube.com/watch?v=FWQqhO4XJbA

Our love shines like rain
In those spanish eyes
Spanish eyes

I'll cross the world for green and gold
But it's those Spanish eyes
That get me home...home again

Quem quiser ver a da Madonna, clique: http://br.youtube.com/watch?v=N39NaEZEHJs

I light this candle and watch it throw
Tears on my pillow
And if there is a Christ, he'll come tonight
To pray for Spanish eyes
And if I have nothing left to show
Tears on my pillow
What kind of life is this if God exists
Then help me pray for Spanish eyes

Quem quiser ver a do Elvis, clique: http://br.youtube.com/watch?v=IQd2kCuj5Nk

Soon I'll return, bringing you all the love your heart can hold
Please say "Si Si" say you and your Spanish eyes will wait for me
Say you and your Spanish eyes will wait for me

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Dias de outono

Data da postagem original: 14-04-2007


Sempre penso em escrever quando estou com sono. Acontece também em dias de outono, aqueles dias cinzas, em que vc não consegue se imaginar numa propaganda de cerveja, e ao mesmo tempo não chega a pensar em por um terno e ir trabalhar.

Já me disseram que esse sentimento não e só meu. É como se aquela situação cerebral em que estamos sonolentos mas ainda não decidimos dormir fizesse um verdadeiro milagre na nossa capacidade criativa, e nos empurrasse para fora da mesmice e mediocridade para nos tornar artistas.

Eu gosto dos dias de outono. Nos dias de outono a gente consegue pensar melhor. Se eu pudesse, fugia de lugar em lugar, buscando os dias de outono.

Nos dias de outono, gosto de me entreter fingindo ser alguém mais inteligente e talentoso que você. Finjo também ser melhor que todos os que pensam que se vivessem assim, de dia de outono em dia de outono, a vida seria melhor. Como se eu não soubesse que ao há escapatória. Mora dentro de mim um ferrenho crítico de mim mesmo, falha de caráter talvez.

Mesmo que os dias de outono existissem, eu não seria capaz de beber da alegria que trazem. Eles teriam gosto de hipocrisia. A vida não tem saída mesmo. Não e fatalista essa idéia tem ate algo de engraçado nisso. Poético, calmante. Algo que te diz: desacelere o passo, esta querendo chegar aonde?

Queria só chegar no próximo dia de outono.

Nada disso! Doutor! Chega de lamúrias. Dê-se por contente pelo fato de que sua vida continua seguindo em frente, a despeito de seus esforços para sabotar-lhe as engrenagens. Um dia conseguirá entender e beber das alegrias das outras estações!

Nesse dia, vou deixar de gostar de fingir ser mais inteligente que você.

Reedição de postagens de 2007

Finalmente encontro tempo para resgatar os textos que ficaram presos no blog fmichelete.blog.uol.com.br. Ainda está no ar, mas preferi ficar aqui no blogspot, e fiquei muito triste por não poder simplesmente transplantá-lo para cá.

Melhor assim. Vou selecionar e publicar.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Confissão de Lúcio

A Confissão de Lúcio

Sabe aqueles livros que a gente não lê, porque eram obrigação na escola? Pois é, eu também procurava um resumo (na época não tinha internet, mas apostilas de cursinho resolviam) e com isso me virava suficientemente bem nas provas.

Ao cadastrar o livro de Mario de Sá-Carneiro no skoob, achei que seria desonesto se não o lesse realmente. Acabei por fazê-lo (respeitei no cadastro o período em que tive o primeiro contato com a obra). Minha surpresa foi ter encontrado outro grande autor da língua portuguesa. O livro é rápido, mas com bom ritmo, interessante, com as descrições emocionais e de conflitos internos que tanto gosto.

Ao relatar sua vida no início do século XX, o personagem principal (intelectual e escritor, quem diria!), mostra que a vida de artista não era tão diferente naquela época, da que imagino seja hoje. Em minha opinião, os escritores exploram as atividades do dia a dia, em busca de significados mais profundos, ou de emoções que possam compartilhar com seus leitores.

Esta tarefa amplia a sensibilidade, torna o mundo mais agudo, por vezes cheio de farpas. Não raro, vemos artistas em decisões pouco práticas, apoiados em vícios, ou simplesmente desorganizados. Faz parte da mística, tem gente que até gosta e prega que pode ser necessário um certo descolamento da “normalidade”. De toda a forma, isto pode ser bem sentido no relato deste livro.

Outra reflexão, mais especulativa, refere-se ao fato do autor ter se suicidado aos 26 anos. Era de familia abastada, com vida muito parecida com a retratada em seu livro. Suas certezas são inexoráveis, sem a relatividade de um pensamento pós-adolescente. O resultado? Desesperança de viver sem as dores que o afligiam, e a conseqüente desistência da vida.

É bom instinto de sobrevivência poder mudar de idéia, não levar suas convicções tão a sério, mas que literatura te interessa mais? Aquela apaixonada, dos que lutam para conformar o mundo a suas idéias e expectativas? Ou aquela decantada, daqueles que sentiram os sabores das paixões, consideram-nas belas, mas não são mais suas presas?

Difícil resposta.