quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Esperança no Ser Humano?

Gosto de aproveitar o que posso de cada leitura. Enquanto lemos, nossa cabeça viaja, associando seu conteúdo a nossas experiências pessoais, leituras anteriores, opiniões. Resulta disto que muitas vezes não é o livro em si que faz mover as engrenagens da cabeça.  As vezes, o enredo e personagens tão trabalhados pelo autor tornam-se meros panos de fundo, e o prazer da leitura deriva de uma experiência muito pessoal, exclusiva. Puxamos um fio do novelo do autor, e por vezes corremos algumas páginas com olhares vidrados, dando pouca atenção ao que está à frente dos olhos, concentrados no que está atrás deles.

Acho que aproveitei mais de meus pensamentos pessoais do que d´A Cidade do Sol em si. Não me levem a mal. O Best-seller de Khaled Hosseini tem muitas qualidades. Edição bem feita, bem traduzida (me pareceu), tem ritmo bom, tema interessante, mas desde o início você já sabe qual será sua fórmula. O autor vai explorar o tema da opressão da mulher no regime Talibã.

No balanço, mostra a capacidade humana de fazer coisas terríveis uns aos outros, bem como a resiliência do ser humano, capaz de lutar contra tudo e contra todos. A opressão da violência sexual, colocada em comparação com a beleza do amor maternal. É bonito, mas batido também. Foi nesse ponto que minha cabeça “derivou”, por assim dizer.

Devemos pensar historicamente. Há poucas gerações, governos ocidentais faziam execuções públicas com enforcamento ou guilhotina. Era aceito na época. Hoje não é mais, e choca nossa opinião quando alguém infringe uma lei que não entendemos, e sofre uma punição que consideramos bestial. Então, qual seria o limite entre as diretrizes pelo respeito ao ser humano, e o respeito a diferenças culturais e valores? Como decidir (e impor a outros povos) o que é certo ou errado?

Acho que o ponto de equilíbrio está num lindo documento de 10/12/1948. A declaração Universal dos Direitos Humanos é uma obra que respeita diferenças, mas estabelece um “ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações”. Infelizmente, muitos de nós preferimos ignorar as premissas deste documento, e continuar investindo em argumentos que nos separam – religiosos, nacionalistas, políticos, étnicos, etc.


Não perco a esperança. Gosto de pensar que nossa evolução, por dolorosa e lenta que possa parecer, é também inevitável. É essa minha expectativa para as mulheres afegãs representadas no livro de Hosseini. É minha expectativa que cada opção por um comportamento gentil e respeitoso contribua para o mundo que quero deixar para meus filhos. Utopia?

domingo, 5 de janeiro de 2014

Leitura Escolar: O Primo Basílio

Mais uma releitura para ressignificar aquela sensação que a gente tem quando é obrigado a ler algo para a escola. Com “O primo Basílio” tinha sido assim. Li por obrigação, há muitos anos. As escolas são ótimas para ensinar como não gostar de ler.

A novidade nessa releitura? “O primo Basílio” é um livro delicioso! Cuidadoso na forma e com ritmo muito bom. Embora lido numa edição barata (com papel feio, letras miúdas e pouco espaço entre linhas), não me cansou nem um minuto, e mesmo obrigou a postergação das horas de sono em algumas oportunidades.

Eça de Queiroz é reconhecido por suas críticas sociais. Já tinha visto este lado do autor em “O Crime do Padre Amaro” (tem uma resenha minha no Dose Literária). O que mais me chamou a atenção, para além das críticas sociais bem pertinentes, foi a boa construção das personagens.
O autor tem uma interessante maneira de mostrar como nossa percepção do mundo é dependente de nosso estado de ânimo. Ele descreve o ambiente num dia de bom humor de Luísa:

“Era uma manhã deliciosa. Havia um ar transparente e fino; o céu arredondava-se a uma grande altura com o azulado de certas porcelanas velhas e, aqui e além, uma nuvenzinha algodoada, molemente enrolada, cor de leite; a folhagem tinha um verde lavado, a água do tanque uma cristalinidade fria; pássaros chilreavam de leve com vôos rápidos.”

... ou num dia em que a personagem não está tão confiante:

“Assim um iate que aparelhou nobremente para uma viagem romanesca vai encalhar, ao partir, nos lodaçais do rio baixo; e o mestre aventureiro, que sonhava com os incensos e os almíscare das florestas aromáticas, imóvel sobre seu tombadilho, tapa o nariz aos cheiros dos esgotos.”

Em diferentes momentos, as personagens do livro (principais ou secundárias) se visitam. Quando travam suas discussões e interações, é muito engraçado – e um irônico retrato da realidade – como os interlocutores não se ouvem. Cada um em seu mundo, retomando seu foco em sua vez de falar, ignorando completamente o que foi tratado pelo outro há segundos atrás.

Todos fazemos isto, em maior ou menor medida. Muitas vezes escutei boas dicas, mas só fui capaz de entende-las quando era tarde demais para evitar uma dura lição. Do outro lado, já sugeri linhas de ação a clientes e alunos, e vi claramente que não entendiam o que eu priorizava – escolhendo agir diferente - para retornar após um tempo reconhecendo que eu estava certo. Me divirto agora, lembrando que muitas vezes faço resenhas de livros sem ler as de outros leitores, esquecendo o fator enriquecedor gerado por outros pontos de vista.

Não sei ao certo por que hesitamos tanto em beber da experiência dos outros. Acho que nos acreditamos especiais, impedindo-nos de aplicar a experiência dos outros a nossa existência. Não enfiamos o dedo na tomada, isto é certo, mas nos atiramos às paixões (materiais ou imateriais) como perfeitos idiotas, na crença de que “desta vez é diferente”.

E você, já reconheceu a existência (e inteligência) dos outros?