sábado, 20 de junho de 2015

O Crime do Padre Amaro

Discutir a influência política que as religiões são capazes de exercer. Esta é a principal ideia de “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queiroz. O autor deixa de lado os finais felizes românticos e engaja-se politicamente, num texto (que hoje seria explicito, quase ingênuo) de crítica ao fator político imposto pela igreja e seus representantes, ao mesmo tempo em que com maestria conduz uma história humana, de desejos e luta com convenções e proibições sociais.

Mexer com Símbolos Religiosos dá um IBOPE danado...
Há duas facetas interessantes no texto. Na primeira, o envolvimento político da igreja, presente até hoje, quando vemos a força de congressos eleitos por rebanhos fieis, e a baixa permeabilidade da sociedade a novas formas de família, questões ligadas à sexualidade, aborto, suicídio, entre outros. Num retrato patético da conexão entre política e religião, basta ver o rosto constrangido de políticos declaradamente ateus, visitando cerimônias religiosas em épocas eleitorais.

Se o engajamento político da obra ficou para mim um tanto datado - baseado nas aspirações de gerações que já passaram pelo teste da história (embora alguns teimosos contradigam fatos e ainda se apeguem ao passado) -  o segundo aspecto fala da natureza humana, tema que está sempre ali:  nos intermináveis diálogos que travamos com nós mesmos. Mostra que nem mesmo os padres e beatas mais dedicados estão livres de sentirem o sangue nas veias, e qual inexpugnável deveria ser seu arcabouço teológico para lidar com a avalanche de pensamentos geradas por um decote generoso ou um discurso poderoso.

Achou o modelito sensual?
Mais um belo exemplar de nossa literatura reconhecido para além dos limites de nosso idioma: escrito com habilidade, com um ritmo bastante adequado, descrições só quando necessárias (e nesses momentos são viscerais, deliciosas). Uma pena que quando adolescente, não gostei do livro apenas porque sua leitura foi imposta pela escola.

Se você tem sensibilidade à crítica religiosa, não se preocupe. Nenhum dos argumentos é leviano. E o próprio autor, após pesadas críticas aos sacerdotes, coloca ao final do livro a personagem do abade, que redime a classe religiosa e contemporiza ao mostrar a importância de uma vida espiritual - mesmo que mantenha a posição de que a religião nem sempre leve a este objetivo.

Frases selecionadas:

“Na sua cela, havia uma imagem da Virgem coroada de estrelas, pousada sobre a esfera, com um olhar errante pela luz imortal, calcando aos pés a serpente. Amaro voltava-se para ela como para um refúgio, rezava-lhe a Salve-Rainha: mas, ficando a contemplar a litografia, esquecia a santidade da Virgem, via apenas diante de si uma linda moça loura; amava-a; suspirava, despindo-se olhava-a de revés lubricamente; e mesmo a sua curiosidade ousava erguer as pregas castas da túnica azul da imagem e supor formas, redondezas, uma carne branca...Julgava então ver os olhos do Tentador luzir na escuridão do quarto; aspergia a cama de água benta; mas não se atrevia a revelar estes delírios, no confessionário, ao domingo.”

“- Estou a dizer a verdade. Em que consiste a educação dum sacerdote? Primo: em o preparar para o celibato e para a virgindade; isto é, para a supressão violenta dos sentimentos mais naturais. Secundo: em evitar todo o conhecimento e toda a idéia que seja capaz de abalar a fé católica; isto é, a supressão forçada do espírito de indagação e de exame; portanto de toda a ciência real e humana...”

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