Discutir a influência política que as religiões são capazes de exercer. Esta é a principal ideia de “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queiroz. O autor deixa de lado os finais felizes românticos e engaja-se politicamente, num texto (que hoje seria explicito, quase ingênuo) de crítica ao fator político imposto pela igreja e seus representantes, ao mesmo tempo em que com maestria conduz uma história humana, de desejos e luta com convenções e proibições sociais.
Mexer com Símbolos Religiosos dá um IBOPE danado... |
Há duas facetas interessantes no texto. Na primeira, o envolvimento político da igreja, presente até hoje, quando vemos a força de congressos eleitos por rebanhos fieis, e a baixa permeabilidade da sociedade a novas formas de família, questões ligadas à sexualidade, aborto, suicídio, entre outros. Num retrato patético da conexão entre política e religião, basta ver o rosto constrangido de políticos declaradamente ateus, visitando cerimônias religiosas em épocas eleitorais.
Se o engajamento político da obra ficou para mim um tanto datado - baseado nas aspirações de gerações que já passaram pelo teste da história (embora alguns teimosos contradigam fatos e ainda se apeguem ao passado) - o segundo aspecto fala da natureza humana, tema que está sempre ali: nos intermináveis diálogos que travamos com nós mesmos. Mostra que nem mesmo os padres e beatas mais dedicados estão livres de sentirem o sangue nas veias, e qual inexpugnável deveria ser seu arcabouço teológico para lidar com a avalanche de pensamentos geradas por um decote generoso ou um discurso poderoso.
Achou o modelito sensual? |
Se você tem sensibilidade à crítica religiosa, não se preocupe. Nenhum dos argumentos é leviano. E o próprio autor, após pesadas críticas aos sacerdotes, coloca ao final do livro a personagem do abade, que redime a classe religiosa e contemporiza ao mostrar a importância de uma vida espiritual - mesmo que mantenha a posição de que a religião nem sempre leve a este objetivo.
Frases selecionadas:
“Na sua cela, havia uma imagem da Virgem coroada de estrelas, pousada sobre a esfera, com um olhar errante pela luz imortal, calcando aos pés a serpente. Amaro voltava-se para ela como para um refúgio, rezava-lhe a Salve-Rainha: mas, ficando a contemplar a litografia, esquecia a santidade da Virgem, via apenas diante de si uma linda moça loura; amava-a; suspirava, despindo-se olhava-a de revés lubricamente; e mesmo a sua curiosidade ousava erguer as pregas castas da túnica azul da imagem e supor formas, redondezas, uma carne branca...Julgava então ver os olhos do Tentador luzir na escuridão do quarto; aspergia a cama de água benta; mas não se atrevia a revelar estes delírios, no confessionário, ao domingo.”
“- Estou a dizer a verdade. Em que consiste a educação dum sacerdote? Primo: em o preparar para o celibato e para a virgindade; isto é, para a supressão violenta dos sentimentos mais naturais. Secundo: em evitar todo o conhecimento e toda a idéia que seja capaz de abalar a fé católica; isto é, a supressão forçada do espírito de indagação e de exame; portanto de toda a ciência real e humana...”
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