Já disse em outras oportunidades
que a poesia não é meu estilo literário preferido. No entanto, me interessei
por “Morte e vida Severina”, desde a leitura de “A Estória do Severino e A
História da Severina” (Ciampa, A.C.) durante a faculdade de Psicologia. Além da
interessante tese sobre a construção da identidade de dois personagens (um
ficcional e outro real) em seu viver e possibilidades, fiquei impactado pelo
uso de João Cabral fazia da palavra Severina, como adjetivo.
“E se somos Severinos
Iguais em tudo na vida,
Morremos de morte igual,
Mesma morte Severina
Que é a morte que se morre
De velhice antes dos trinta,
De emboscada antes dos vinte,
De fome um pouco por dia (...)”
Quando tive a
oportunidade de ler o poema inteiro, não hesitei. A recompensa foi incrível.
Havia outros de igual qualidade, fazendo par com “Morte e vida Severina”, em
especial “Auto do Frade”, e “O Rio”, com
seu tocante início, que compara o curso da vida do retirante ao de um rio. Nasce
na serra, e corre para o mar:
“(...)Eu não sei o que os rios
Têm de homem do mar;
Sei que se sente o mesmo
E exigente chamar.
Eu já nasci descendo
A serra que se diz do Jacarará
Entre caraibeiras
De que só sei por ouvir contar
(pois, também como gente,
Não consigo me lembrar
Dessas primeiras léguas
De meu caminhar).”
Uma coletânea de
poemas ótimos. Páginas e páginas de frases colocadas cuidadosamente, para serem
relidas, saboreadas, ecoadas. A alma do brasileiro traduzida em uma bonita
essência, captada pela mente aguda do poeta. Qualquer tentativa de seleção é
injusta:
“(...)É de bom tamanho
Nem largo nem fundo,
É a parte que te cabe
Deste latifúndio.”
“Vou dizer as todas as coisas
Que desde já posso ver
Na vida desse menino (.,,)
Cedo aprenderá a caçar:
Primeiro, com as galinhas,
Que é catando pelo chão
Tudo oq eu cheira a comida;
Depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.”
“A forca não vive em monólogos;
Dialética, prefere o diálogo.
Se um dos dois personagens falta
Não pode fazer seu trabalho.
O peso do morto é o motor,
Porém o carrasco é o operário.”
Tal qualidade preciosa
me deixou triste após concluir a leitura. Mario Sérgio Cortella falava da “miojização
do mundo”, da “despamonhalização da vida” (é... procure no google). Fiquei
pensando em nossa mediocridade, de arte-pela-grana, de pouco tempo para digerir
qualquer coisa, fast-food cultural. O
que nos livra de tropeçar nas tentativas de simplificar nossa língua, ao invés
de ensiná-la corretamente? Como fugir dos “com
migo”, “concerteza" e “menas”? O caminho das letras é
delicioso, mas pouco conhecido de nosso povo cheio de maniqueísmos e ideias
rasas.
Quem paga para um
escritor lapidar as emoções em palavras, até que se chegue ao nível de nossos
mestres? Acho que não há mais condições para que alguém escreva algo desta
qualidade, que possa dedicar uma vida ao estudo e ao entalhe das letras. Há
pouco estímulo à excelência estética entre a busca do pão e uma consulta à tela
do celular. Não é de entristecer?
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