(os trechos entre aspas são do livro)
A aba da capa apresentava o pequeno enredo, uma desculpa
para a construção de sua filosofia.
“ Esse esforço que farei agora
por deixar subir à tona um sentido, qualquer que seja, esse esforço seria
facilitado se eu fingisse escrever para alguém.”
Assunto difícil. Olhar para os olhos vítreos de uma barata, e
compreender sua vida, sua passagem fugaz e desimportante pelo tempo – e
associá-la ao sentido da vida humana, correlacionando-os no divino.
Enfrentar o desafio de escrever sobre o sentido da vida
exige coragem. Especialmente quando se evolui para descobrir sua ausência de
sentido, ausência de solo firme. Buscar algo em que se apoiar é como florear
nossa existência, atribuindo-lhe propósitos abstratos. Nossa vida passa
despercebida diante da vida em seu todo, sejamos baratas, Mozart ou Einsten.
“O perigo de meditar é o de sem querer começar a pensar, e pensar já
não é meditar, pensar guia para um objetivo.”
Meditar sem objetivo, mas chegar a um. E ao perceber ter
espremido toda a vaidade de sua percepção da vida, apresenta-la como
experiência, contra as dificuldades de na língua em expor tal abstração, sem
sentir-se envaidecida com o resultado.
“Ou não querer ter vaidade é a pior forma de se envaidecer?”
Mas ao fazê-lo com maestria, mostra sua habilidade de
escritora. Como tornar poética a descrição de uma barata esmagada?
“Ela era arruivada. E toda cheia de cílios. Os cílios seriam talvez as
múltiplas pernas. Os fios de antena estavam agora quietos, fiapos secos e
empoeirados. A barata não tem nariz. Olhei-a, com aquela sua boca e seus olhos:
parecia uma mulata à morte. Mas os olhos eram radiosos e negros. Olhos de
noiva”
Obrigado, Clarice. Na despedida do livro, vi sua foto na
contra-capa. Reparei em sua beleza fria, estrangeira, delicada e rude ao mesmo
tempo. Seu olhar também é prenúncio de sua força.
Estou com este livro em casa para ler. Fiquei ainda mais encorajada a ler. Obrigada Fábio.
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