Hesitei bastante em começar o “Ana Karênina” (que eu
insistia em ler como se o circunflexo lá não estivesse). Volume grande, letras
pequenas, difícil manuseio. O nome do autor traduzido “Leão Tolstoi” também não
convidava... mas por que tanta unanimidade sobre este clássico? Eu precisava
saber.
Foram algumas boas semanas até termina-lo. Não porque fosse
chato, pelo contrário. Tolstoi tem grande habilidade para descrever discussões
em torno de uma mesa de jantar, e tornar aquilo interessante para nós. Seu
artifício é simples – típico dos romances psicológicos. O autor faz a gente
entrar na cabeça das personagens. A construção das respostas e pensamentos são
muito boas. Em especial na descrição das duplas amorosas, uma percepção
destacada que o autor tem do universo feminino (e ainda bastante atual – quando
se trata de sentir-se aceita ao conseguir um parceiro).
Há ainda um componente político no livro. Aliás, essas
reflexões, importantes em especial na personagem de Constantino Lievin,
permitem uma ligação importante entre a biografia do autor e esta figura por
ele criada. Tolstoi deve ter feito o livro grande como uma cebola protetora
para poder ali colocar suas reflexões em segurança. Como sua personagem, também
opta pela vida em simplicidade.
A opção por simplicidade é uma resposta para a vida. Consome
menos recursos, e nos faz menos escravos da materialidade. Há menor chance de
explorarmos outros, mas também, menos contribuição para a roda de consumo que
sustenta nossa sociedade, tal como é arranjada. Você ajuda ao contratar uma
empregada doméstica e a paga na média do mercado? OU você a explora e a impede
de exercer seu potencial como ser humano fazendo outra coisa? Uma discussão que
espero que não fique entre aqueles que dividem o mundo entre o preto e o
branco.
Por trás das escolhas políticas, permanece a relação do ser
humano com sua biologia. Não são os jogos de poder, ou a hipocrisia da
sociedade que fazem um homem e uma mulher se unirem. Estes são apenas o palco
onde tais disputas ocorrem, motivadas por um imperativo animal. Os seres
humanos são (também) animais. Ainda há inúmeros mecanismos de sedução por
desvendar nesta espécie, mas a hierarquia social e o status sem dúvida têm
relação íntima com o tema.
E é nas disputas de status social, inerentes ao jogo sexual,
que as convicções políticas também se tornam importantes. Não é bastante adotar
um estilo de vida que o faça mais feliz. É preciso alardear isto, conseguir que
isto se torne um símbolo distintivo que faça suas escolhas parecerem melhores
que a de outros. Para muitos, não bastará ser vegetariano. Será preciso
militância pública. Não bastará ter o direito, será preciso afirmá-lo como um
distintivo social – de fundo hierárquico/sexual.
Para Tolstoi – senhor de sua atuação política, mas escravo
da biologia, não bastou apenas escolher a vida simples. Era preciso difundi-la
e dela fazer propaganda para a família e demais relações. Num extremo
tragicômico, segundo sua biografia (wikipedia), aos 82 anos decidiu sair de
casa em busca da vida simples com valores que sua família não podia
compartilhar. Viajou na terceira classe (mais simples), pegou pneumonia e
morreu. A morte sim, é algo que sempre
nos igualou.
Estou com muita vontade de ler esse livro, Fábio. Ainda não achei em nenhum sebo aqui perto. Está na lista. Ótima resenha!
ResponderExcluirO acento circunflexo é até perdoável, mas Leão Tolstoi é de doer na alma. >.< rs
ResponderExcluirMaravilhosa avaliação sobre a obra, Fabio! Conheci a história através de uma adaptação cinematográfica mais antiga, e nela não conheci as ideias de Tolstoi em si, mas o enredo adaptado, não deixa de ser uma história bem interpretativa e reflexiva, mas acredito que o filme não tenha compartilhado nem 1/3 do que uma obra de Tolstoi em suma contém. Esta obra é riquíssima!
Eu sou muito fã das suas resenhas e das suas opiniões e interpretações a respeito das obras. Parabéns!
Um abraço.