quinta-feira, 11 de abril de 2013

As dores do escritor


Resenha: Retrato do Artista quando Jovem


Sabe aqueles livros em que o autor consegue representar tão fidedignamente um personagem, que te transporta para dentro da cabeça dele? Joyce faz isto. Te transporta para a cabeça de um menino. 

Valorizo isto, pois sei o quanto é difícil. Não se trata apenas de contar uma história que envolva uma criança, mas reproduzir sua visão particular de mundo. Tem cuidados extremos, como uma percepção confusa das discussões adultas, uma vaga percepção de futuro, uma hipervalorização das regras impostas na escola, e a relação com figuras de autoridade. É tão fidedigno que sugere ser lembrança do autor, numa corajosa exposição. Está ali o inicio de sua personalidade – em vários pontos comuns à de cada um de nós.

Mostra nosso estranhamento com as regras do mundo, à medida em que o fazemos crescer em nossa criança. Um processo de “des-ilusão” – ainda assim amargo – que dá ainda mais peso para o conjunto de mudanças no corpo e nas relações com o mundo. Toda a criança passa por isto: esta construção da ilusão de uma identidade exclusiva (e ainda por cima nos achamos sempre mais espertos que os outros).

Com este artifício delicioso, coloca no cenário o que era ser uma criança na Irlanda daquele tempo. Um mundo mais adulto, menos concessivo do que o atual mundo infantil. Um mundo de um catolicismo mais amedrontador/punitivo do que aqui no Brasil, em que os instintos de um jovem em crescimento se debatem com a culpa incutida por padres e professores.

Da criança para o adolescente, e agora o ambiente é mais complicado. As angústias em relação ao futuro,  a cobrança em momentos de decisão que definirão muito do que será sua vida, a influência dos amigos e dos mestres. Tudo isto sem apelar para uma super-visão. Tudo dentro do horizonte de percepção do próprio Stephen Dedalus (personagem principal).

Por fim, vale o comentário de que os adolescentes retratados possuem uma cultura geral muito maior do que a nossa. Seria a solidez da educação? Sobram frases em latim e discussões complexas sobre religião e estética – bem interessante, por sinal.

Frases selecionadas:

“Da má semente da ambição todos os outros pecados mortais tinham saltado: orgulho de si próprio e desprezo pelos outros; avareza em guardar dinheiro para a compra de prazeres ilícitos; inveja daqueles cujos vícios não podia atingir; caluniosas murmurações contra os piedosos; voracidade em sentir os alimentos; a estúpida raiva em que ardia e nomeio da qual examinava o seu tédio; o pântano de espiritual e corporal indolência dentro do qual todo o seu ser estava atolado.”

“A narrativa tampouco é meramente pessoal. A personalidade do artista passa para a narração mesma, enchendo, enchendo de fora para dentro as pessoas e a ação como um mar vital. (...) A personalidade do artista, no começo um grito, ou uma cadência, ou uma maneira, e depois um fluido e uma radiante narrativa, acaba finalmente se clarificando fora da existência, despersonalizando-se, por assim dizer”

“O seu espirito, esvaziado de teoria e de coragem, ia tombando numa paz desinteressada”

“A sentença mais profunda até hoje escrita – disse Temple, com entusiasmo – é esta sentença, no fim da zoologia: A reprodução é o começo da morte.”

“Não servirei àquilo em que não acredito mais, chame-se isso o meu lar, a minha pátria, ou a minha igreja; e vou tentar exprimir-me  por algum modo de vida ou de arte tão livremente quanto possa, e de modo tão completo quanto possa, empregando para minha defesa apenas as armas que eu me permito usar: silêncio, exílio e sutileza.”

“Sê bem-vinda, ó vida! Eu vou ao encontro, pela milionésima vez, da realidade da experiência, a fim de moldar, na forja da minha alma, a consciência ainda não criada da minha raça”


Um comentário:

  1. Ansiosa para ler Joyce! Como comentei estou com um exemplar de "Dublinenses" aqui... Talvez eu consiga lê-lo nas férias...rs.
    Ótima resenha, vou postar lá no blog!

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