segunda-feira, 12 de novembro de 2012

É preciso ler mais para saber

A escolha de conhecer Nietzsche iniciando por “Crepúsculo dos Ídolos” foi apenas em função de uma liquidação de “pocket books”. Não é um mal começo, mas fica claro desde o início, que é preciso alguma ordem, ou orientação para compreender o trabalho do filósofo. Esta resenha é mais um lembrete para minhas emoções durante a leitura, do que uma tentativa de (impossível) síntese representativa das idéias do filósofo.

Ficou para mim, nesta leitura, uma vontade de saber mais, em especial de “Além do bem e do mal” ou “assim falou Zaratustra”. “Crepúsculo dos Idolos” é o ultimo livro que o autor viu ser publicado, antes de seu colapso nervoso – como me informou o prefácio. Isto que impacta mais na leitura deste texto inteligente. Ele é denso! E bem escrito! Tem horas que navegamos fácil por suas frases, concordando com o autor e sentindo seu ímpeto e indignação. 

Indignado! Aliás, esta é uma diferença marcante em relação a outros filósofos. Quando um filósofo escreve sobre algo, é porque quer compartilhar suas conclusões. Está, então, numa espécie de trégua com suas dúvidas, pois encontrou algum sistema que permitiu uma resposta enriquecedora e aceitável. O livro de Nietzsche, não tem esta tranquilidade. Ele combate as próprias certezas com raiva e persistência, como se estas fossem inimigas a tentar dissuadi-lo de sua busca.

Se ficou louco ao final da vida, bem pode ser dessa intranquilidade. Sem solo firme para qualquer verdade, sempre escolhemos algum dogma, pessoal ou coletivo, para apaziguar nossa inquietação, e construir a partir desta arbitrariedade. Nietzsche foi corajoso ao negar tal artifício. Quer ser inconformado, jovem de espírito – e talvez tenha submetido seu corpo e mente a algo mais do que podiam conter.

No caminho desta luta interna, deixa cadáveres pela estrada, entre eles o cristianismo, a moral, a tentativa de controle de nossas vontades animais por qualquer mecanismo de Estado ou ideologia controladora. Acredita num mergulho nas profundidades de nossa humanidade (em seu sentido mais incontrolável), e espera que a ordem social possa surgir desta consciência, não mais como hipocrisia, mas como escolha – e se assim fosse, sem todas as neuroses atuais.

Foi difícil selecionar poucas frases. Segue abaixo as que mais impacto causaram:

“O que as “escolas superiores” da Alemanha efetivamente alcançam é um adestramento brutal que, com o menor dispêndio possível de tempo, visa tornar um grande número de jovens aproveitável, explorável, para o serviço do Estado. “Educação superior” e grande número – coisas que se contradizem de antemão. Toda educação superior pertence apenas à exceção: é preciso ser privilegiado para ter direito a um privilégio tão elevado.”

“ Só se é fértil ao preço de ser rico em oposições; só se permanece jovem se a alma não se espreguiça, não anseia pela paz... Nada se tornou mais estranho para nós do que aquele anelo de outrora, o de “paz da alma”, o anelo cristão; nada nos causa menos inveja do que a vaca moral e a felicidade gorda da consciência tranquila. Renuncia-se à grande vida quando se renuncia à guerra...”

“Toda a psicologia antiga, a psicologia da vontade, pressupõe que seus autores, os sacerdotes à testa das antigas comunidades, queriam se arrogar o direito de inflingir punições – ou queriam arrogar esse direito a Deus...Os homens foram imaginados “livres” para que pudessem ser condenados, punidos – para que pudessem se tornar culpados: em consequência, toda ação teve de ser imaginada como querida e sua origem como presente na consciência (o que transformou a mais radical falsificação in psychologicis em princípio da própria psicologia...”

“O direito à estupidez. – O trabalhador cansado e que respira lentamente, de olhar bonachão, que deixa as coisas andar como andam: essa figura típica que agora, na época do trabalho (e do “reich”!), encontramos em todas as classes da sociedade, reivindica hoje precisamente a arte, incluindo o livro, sobretudo o jornal – e mais ainda a bela natureza, a Itália... O homem do entardecer, com os impulsos selvagens adormecidos de que fala Fausto, necessita do veraneio, do banho de mar, das geleiras de Bayreuth...Em tais épocas, a arte tem direito à pura tolice – como uma espécie de férias para o espirito, o engenho e o ânimo. Wagner entendeu isso. A pura tolice restaura...”

“Quando o anarquista, na condição de porta-voz das camadas declinantes da sociedade, exige “direito”, “justiça” e “direitos iguais” com uma bela indignação, apenas se encontra sob a pressão de sua incultura, que não consegue compreender por que realmente ele sofre – do que é pobre, de vida... Ele é dominado por um impulso causal: alguém deve ser culpado por ele estar mal... Só a “bela indignação” já lhe faz bem, vociferar é um prazer para todos os pobres-diabos – isso dá uma pequena embriaguez de poder. Já basta a queixa, o queixar-se, para dar à vida um encanto pelo qual se suporta vive-la: há uma dose sutil de vingança em toda a queixa: a pessoa censura aqueles que são diferentes, como se isso fosse uma injustiça, um privilégio ilícito, por sua situação ruim, ‘as vezes até por sua ruindade. “Se sou canaille, também deverias sê-lo”: é com base nessa lógica que se faz revolução. – O queixar-se não vale nada em caso algum: ele provém da fraqueza. Atribuir sua situação ruim a outros ou a si mesmo – a primeira atitude é própria do socialista, a última, do cristão, por exemplo – não faz qualquer verdadeira diferença. O que há em comum, digamos o que há de indigno nisso, e que alguém deva ser culpado por sofrermos – em resumo, que o sofredor prescreva para seu sofrimento o mel da vingança.”

“Mas quem sabe, afinal, se desejo mesmo ser lido hoje? – Criar coisas nas quais o tempo gaste seus dentes em vão; esforçar-se por alcançar uma pequena eternidade na forma, na substância – nunca fui modesto o bastante para pedir menos de mim. O aforismo, a sentença, nos quais sou o primeiro s ser um mestre entre os alemães, são as formas da “eternidade”; minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz num livro – o que qualquer outro não diz num livro...”

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