segunda-feira, 4 de junho de 2012

Mais uma resenha do Skoob

Estou tentando colocar um comentário e trechos selecionados de cada livro da biblioteca daqui.
Abaixo, O CORTIÇO, de Aluísio Azevedo

Lido à época dos "livros obrigatórios" do ensino médio, não tinha me chamado a atenção .Desta vez, relido para as resenhas do skoob, foi um verdadeiro prazer passar pelas páginas deste livro. Destaque para o trecho selecionado em negrito, abaixo:

Muito boa a capacidade de descrição do ambiente e o ritmo que consegue manter durante a história. Praticamente, você não consegue se desgrudar do livro. Sempre acontece alguma coisa, ou se introduz uma personagem importante e interessante. Como destaque negativo, a edição da "Ática", que é de baixa qualidade. Acho que o foco é que seja barata. Desmontou na minha mão, e tem espaço entre linhas bastante desconfortável.

Trechos selecionados:

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.

A roupa lavada, que ficara de v[espera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono, ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite..."

"Jerônimo não precisou de mais nada para beber de um trago os dois dedos de restilo que havia no copo.

Sóbrio como era, e depois daquele dispêndio de suor, o álcool produziu-lhe logo de pronto o feito voluptuoso e agradável da embriaguez nos que não são bêbedos: um delicioso desfalecer de todo o corpo; alguma coisa do longo espreguiçamento que antecede à satisfação dos sexos, quando a mulher, tendo feito esperar por ela algum tempo, aproxima-se afinal de nós, numa avidez gulosa de beijos."

"E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e desde que o café encheu a casa com seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo, e não tardou a fumar também com os amigos."

"Pombinha, impressionada pela transformação da voz dele, levantou o rosto e viu que as lágrimas lhe desfilavam duas a duas, três a três, pela cara, indo afogar-se-lhe na moita cerdosa das barbas. E, coisa estranha, ela, que escrevera tantas cartas naquelas mesmas condições; que tantas vezes presenciara o choro rude de outros muitos trabalhadores do cortiço, sobressaltava-se agora com os desalentados soluções do ferreiro.Porque, só depois que o sol lhe abençoou o ventre; depois que nas suas entranhas ela sentiu o primeiro grito de sangue de mulher, teve olhos para essas violentas misérias dolorosas, a que os poetas davam o bonito nome de amor. A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em seu pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia. Não a comovera tanto a revolução física. Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista, de improviso esclarecida, patenteando-lhe todos os segredos das suas paixões. Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea.(...)Que estranho poder era esse, que a mulher exercia sobre eles, a tal ponto , que os infelizes, carregados de desonra e de ludibrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que ela lhes fizera?...E surgiu-lhe então uma idéia bem clara da sua própria força e do seu próprio valor.Sorriu.E no seu sorriso já havia garras."(...)E continuou a sorrir, desvanecida na sua superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto fora posto no mundo simplesmente para servir ao feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco, precisava tirar dea sua mesma ilusão a substância do seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona dele, ia tranquilamente desfrutando o seu império, endeusada e querida, prodigalizando martírios que os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que os estrangulavam.(...)E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de machos e fêmeas a comichar, a fremir concupiscente, sufocando-lhe uns aos outros. E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o miranda, lá defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas de sono, depois de um trabalho de burro, e perdendo o seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, só para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola; e tornou a ver bruno a soluçar pela mulher; e outros ferreiros e hortelões, e cavouqueiros, e trabalhadores de toda a espécie, num exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía, cujas íntimas correspondências escrevera dia a dia..."



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